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Porto de Mós

“Médico, médico!”: agricultores saem à rua para reclamar melhor saúde nas zonas rurais

Convocados por associação que reúne agricultores, utentes de Porto de Mós reclamam o regresso dos médicos às extensões de saúde

Esta manhã, saíram à rua os utentes convocados por uma associação que reúne agricultores do distrito. “Médico, médico, médico!!” Eis a palavra de ordem gritada em Porto de Mós, às portas do Centro de Saúde.

Resume o problema e funciona como refrão da banda sonora das manifestações que se têm repetido, nos últimos anos, naquele concelho, a braços com uma crónica falta de profissionais de saúde.

António Ferraria salienta que este é um problema dos agricultores, mas não só. É que a falta de médicos afeta a generalidade do concelho, embora com especial enfoque nas zonas rurais, predominantemente agrícolas.

“Pretendo que venham médicos para as freguesias que não o têm: Alqueidão da Serra, Alvados, São Bento, Mendiga e Arrimal”, sintetiza o veterano dirigente da União de Agricultores do Distrito de Leiria, organizadora da concentração desta manhã.

“Sabem bem o que fazer, façam como antigamente em que havia médicos para toda a gente”. A receita é de Gracinda Custódio, de São Bento, uma das utentes prejudicadas pela gradual ausência de cuidados de saúde nas zonas do interior do concelho. “Houve uma médica que esteve lá [em São Bento] 27 anos. Agora, ainda segunda-feira vim cá a Porto de Mós de manhã e estive até à noite e não fui atendida”, reclama.

Há vários anos que a extensão de saúde daquela freguesia serrana fechou portas. Atualmente, Gracinda Custódio não tem outro remédio que não seja tentar a sua sorte na sede de concelho. Insatisfeita com a situação, esteve na manifestação desta sexta-feira. Está, todavia, descrente no impacto desta forma de luta: “isto assim não vai lá”.  

“Não gosto que digam que não vale a pena. Fico logo aborrecido. Se não vale a pena, não se faça. O certo é que se fizer alguma coisa pode-se não ganhar, mas se não fizer, sabe-se que não se ganha nada”, aponta António Ferraria.

Rumar de madrugada, muito, muito cedo, por vezes de véspera, para o centro de saúde, para tentar ter consulta. Esta é a solução de recurso de muitos utentes. O problema é democrático, pois não escolhe quem afeta.

Presente na manifestação, Rui Marto, vereador do PS na Câmara de Porto de Mós, conta-se entre os que tentam, de madrugada, conseguir uma consulta. Joga com a sorte, mas também com alguma a boa vontade dos serviços: “ainda recentemente tive de vir muito cedo e mesmo assim não fui o primeiro a chegar, fui o segundo, para conseguir uma consulta para um familiar”.

E conseguiu? “Por acaso consegui, mas também porque tive a indicação dos serviços do dia em que seria mais provável conseguir a consulta: ‘não venha neste dia, venha em tal dia’”, conta.

O problema tem anos e agudizou-se com o tempo. “Vêm para aqui pessoas muito cedo e mesmo assim vão-se embora sem serem consultadas”, explica João Ribeiro. É de Porto de Mós e foi um entre as dezenas de populares que se aglomeraram às portas do centro de saúde da vila sede de concelho, na manhã desta sexta-feira, para fazerem saber da necessidade de algo mudar para que as consultas cheguem a todos.

Contudo, João Ribeiro não faz ideia de qual poderá ser a solução para o problema. “Os médicos não se fixam aqui, porquê? É uma pergunta que fica e que não sei responder. Não faço uma pequena ideia de como se resolve isto”, admite.

Câmara promete pagar a médicos que queiram ficar

Na verdade, este tipo de manifestações tem vindo a repetir-se ao longo do tempo. E a solução tarda. Em janeiro do ano passado, os utentes saíram à rua para reclamar a melhoria dos serviços de saúde. De então para cá, o problema conheceu poucas vias de solução.

Entretanto, a autarquia implementou um plano privado de saúde para os munícipes. E agora, aposta em subsidiar os clínicos que se pretendam fixar no concelho, com um apoio de 600 euros.

António Ferraria reclama reforço de profissionais de saúde nas zonas rurais

“O município deliberou em reunião de Câmara, atribuir um subsídio de 600 euros para cada médico que venha para o concelho”. Esta foi uma das medidas anunciadas por Eduardo Amaral, vice-presidente da Câmara de Porto de Mós, presente na manifestação desta manhã.

Explicou que persistem os contactos com os responsáveis do Ministério da Saúde, mas lamentou que promessas do passado tenham ficado por cumprir. A autarquia, adiantou, continua a tentar diversas estratégias para colmatar o problema.

Nesse âmbito, em julho, um grupo de seis médicos em pleno processo de colocação, visitou o concelho a convite da autarquia. O apoio de 600 euros, direcionado para suportar as despesas de alojamento, foi um dos argumentos apresentados, muito embora ainda nenhum médico tenha solicitado a implementação da medida.

Na sequência da visita, os clínicos manifestaram ter considerado “atrativo” o território concelhio, capaz de assegurar boa qualidade de vida, adianta Eduardo Amaral. A receção aos clínicos, incluiu reuniões com médicos que trabalharam no concelho e o vice-presidente diz-se “confiante que esta visita pode desmistificar o que são os territórios rurais e serranos”. Os médicos “começarem a perceber que neste território há serviços, condições de vida e de qualidade”, reforça.

Esta estratégia demorará a produzir efeitos. E em Alqueidão da Serra, Filipe Batista, presidente da Junta de Alqueidão da Serra, freguesia que há cerca de dois anos continua sem médico na extensão de saúde local, lamenta que a sua população esteja a ser esquecida. “Todos pagamos impostos, mas infelizmente há tratamento diferenciado”, afirma.

O autarca considera que a medicina preventiva é inexistente entre a população que se limita a recorrer aos serviços médicos quando está doente, atendendo à dificuldade em conseguir ser consultada. “Infelizmente, vão continuar a morrer pessoas por falta de assistência”, critica. “Há vinte anos não tínhamos este problema e tínhamos mais população”. A melhor organização dos serviços e reforço das condições remuneratórias dos profissionais de saúde, são alguns dos “remédios” que prescreve, face ao diagnóstico que não é novo, do sistema de saúde.

Em Serro Ventoso, freguesia serrana de Porto de Mós, um clínico continua a prestar cuidados à população. “Felizmente, vamos estando bem”, admite, Carlos Cordeiro, presidente da Junta, que se confessa “agradecido” pela permanência do médico, que ainda aí presta apoio e nas freguesias vizinhas.

O autarca compreende que mais e mais médicos respondam aos apelos do sector privado, atendendo que são mais bem remunerados: “são abordados para irem ganhar balúrdios em bancos de horas. Os médicos vão para o sector privado porque é onde são mais bem remunerados. E isso é normal”, reforça, defendendo a melhoria da remuneração no sector público.

Para o socialista Rui Marto, a vontade política é um factor decisivo na resolução deste problema. A par disso, lamenta que no concelho, não estejam alinhadas as posturas face ao problema, criticando que se prepare a implementação de unidades de saúde familiar que implicam o encerramento de extensões de saúde nas freguesias, sem que seja, do seu ponto de vista, clara a posição do município sobre esta matéria.

Enquanto isso, ao fundo, ouve-se o coro que entoa a palavra que sintetiza um problema, uma reclamação e uma aspiração: “médico, médico !”.

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