A entrevista da Diretora do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Leiria ao jornal REGIÃO DE LEIRIA suscita-me uma reação de indignação pela forma acusatória como a Dra. Helena Silva se refere a todos os seus colegas.
O SNS que a Dra. Helena diz defender não pode reduzir o trabalho médico ao tão propagado “espírito de missão”. Os doentes precisam acima de tudo de profissionais competentes, munidos de uma atualização permanente, de seres humanos com tempo para si e para a sua família, remunerados de acordo com as suas qualificações.
O tempo em que o médico-escritor Fernando Namora ia a meio da noite, montado num cavalo, fazer partos ao domicílio, há muito terminou.
Nenhum médico abandona um doente porque chegou a sua hora de saída. Mas o mesmo médico exige trabalhar nas suas horas de trabalho de forma adequada, não de forma missionária, mas de uma forma profissional.
A Dra. Helena acusa os médicos de preterir o SNS em favor da medicina privada. O dinheiro conta? Claro que conta, ou a Dra. Helena desconhece que há médicos a salvar vidas, que durante a noite estão a ganhar de forma irrisória?
A Dra. Helena fala dos médicos de família com uma displicência e arrogância inaceitáveis. Desqualifica o seu trabalho e remete-os para um plano menor. Todos concordamos que numa reorganização do SNS se deve pensar em novas formas de trabalho, mas sempre valorizando os profissionais e nunca os desqualificando. Os médicos não foram todos para os hospitais privados, muitos chegaram ao fim da sua carreira e certamente muitos chegaram ao fim da sua paciência. “O médico de família, neste momento, é um administrativo burocrático”! Como é possível alguém com responsabilidades falar assim?
Até os internos de especialidade não escapam das acusações da Dra. Helena referindo-se a eles dizendo “hoje, os internos trabalham mais lá fora do que trabalham cá dentro”.
Os internos são uma força única, trabalham arduamente, ao mesmo tempo que se preparam para as provas de avaliação que vão chegar. O CHL tem o privilégio de contar com internos classificados no topo das tabelas nacionais, levando com eles o bom nome da instituição.
Os médicos decidiram dizer basta e a Dra. Helena não tem o direito de reivindicar o exclusivo da preocupação com os doentes. Lamento que a Dra. Helena considere que a situação atual seja da responsabilidade dos médicos sem ter uma única palavra para aludir ao papel dos decisores.
Lamento ainda que a Dra. Helena não tenha uma palavra para os médicos da área da medicina interna, o indiscutível pilar do serviço de urgência e gostava de a ter visto lutar com o mesmo vigor pela criação da especialidade de medicina de urgência que diz defender.
Para terminar não deixo de reparar na forma como a Dra. Helena se refere ao seu trabalho, sempre na primeira pessoa. Não lhe ficava mal, uma vez por outra usar a expressão “nós fizemos” em troca do repetidamente “eu fiz”, já que a medicina hospitalar é um profundo trabalho de equipa.
João Morais
Diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Leiria