O Tribunal Judicial de Leiria começa a julgar este mês um homem e uma mulher pela alegada prática de centenas de crimes sexuais de que foi vítima a filha da arguida.
O arguido está acusado de 427 crimes de abuso sexual de menores dependentes, 249 crimes de violação e um crime de pornografia de menores, todos na forma agravada.
Já a mulher responde por 312 crimes de abuso sexual de menores dependentes e 249 crimes de violação, também na forma agravada e por comissão por omissão.
Os dois incorrem nas penas acessórias de proibição de exercerem profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, de proibição de assumirem a confiança de menor e de inibição do exercício de responsabilidades parentais.
Segundo o despacho de acusação, datado de outubro de 2023 e agora consultado pela agência Lusa, a arguida, quando a filha tinha 14 anos, iniciou um relacionamento amoroso com o arguido, passando ambos a viver juntos. A menor juntou-se ao agregado posteriormente.
O Ministério Público (MP) sustenta que os abusos, no concelho da Marinha Grande, começaram no verão de 2017 e ocorreram “pelo menos uma vez por semana” até ao verão seguinte.
“Nessas ocasiões, o arguido chamava (…), quer por voz, quer por mensagem que enviava para o telemóvel desta, para ir para o quarto do casal consigo, o que esta fazia por sentir medo, pois aquele era bruto, gritava e ficava alterado quando não ia”, lê-se no despacho de acusação.
A partir do verão de 2018 e até ao verão de 2022, o homem passou a sujeitar a adolescente a atos sexuais “pelo menos três vezes por semana”, que ocorreram também noutras divisões da casa.
O MP refere que aquele dizia à vítima “para não contar a ninguém”, pois “era um segredo dos dois, ao que esta guardou segredo por ter medo daquele e sentir vergonha”.
O despacho explica que, pelo menos desde fevereiro de 2019, quando a filha tinha 16 anos, a arguida sabia que o companheiro sujeitava aquela às práticas sexuais descritas no documento, mas “nada fez para [as] evitar”, ao “arrepio do seu dever, enquanto mãe, de a proteger, de dela cuidar e de a socorrer”.
“Ao invés, aquela ordenava à filha que fosse ter com o arguido ao quarto a fim de ser sujeita aos atos sexuais”, adianta o MP, salientando que a mãe “nunca se dirigiu ao quarto ou impediu, por qualquer meio, a sua concretização”.
Ainda segundo o MP, o arguido também gravou, com o telemóvel, em diversas ocasiões, atos sexuais a que sujeitava a vítima, então com 17 anos.
A vítima acabou por sair de casa do casal, “por não suportar mais tais atos”.
O MP salienta que a enteada via o arguido “como um pai, que estava ao seu cuidado e guarda, bem como na sua dependência económica”, e depositava confiança nele.
Para o MP, o homem atuou “sempre com a vontade repetida e persistente de satisfazer os seus instintos libidinosos, sabendo que atentava contra o livre desenvolvimento da personalidade e a liberdade ao nível da sexualidade” da enteada, “bem como punha em crise os sentimentos de pudor e vergonha” desta.
Quanto à mãe, o MP lembra, entre outros aspetos, que sabia que o companheiro abusava da filha e, apesar do dever de a proteger, “incentivava e consentia” os atos sexuais.
Ao agir desta forma, permitiu que o seu companheiro obrigasse a filha a “suportar e a manter” os atos sexuais contra a sua vontade, “mediante os sentimentos de intimidação, medo e vergonha”.
O julgamento, por um tribunal coletivo, está previsto começar no dia 21.