O Tribunal de Leiria condenou ontem dois arguidos a penas suspensas pelos crimes de sequestro, coação e dano, que ocorreram em 2022, em Figueiró dos Vinhos, considerando que aqueles agiram por “força da homossexualidade” do ofendido.
Os dois arguidos foram condenados pelos crimes de sequestro agravado, coação agravada na forma tentada e dano na pena única de quatro anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
O coletivo de juízes julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo ofendido, tendo condenado os arguidos a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de cinco mil euros por danos não patrimoniais.
Segundo o acórdão, a que a agência Lusa teve acesso, os factos remontam a junho de 2022 quando os arguidos e outro homem participaram num convívio, na via pública, em Figueiró dos Vinhos.
Quando o ofendido, que tinha braço e mão imobilizados com tala devido a uma intervenção cirúrgica, estava na casa de banho de um café, aquele homem perguntou-lhe se precisava de ajuda, tendo a vítima recusado.
O tribunal referiu que quando a vítima já se encontrava em casa e os arguidos, acompanhados desse homem, ainda no convívio, enviou uma mensagem àquele, seguindo—se uma troca de mensagens a que “assistiram os arguidos”.
Os arguidos formularam então o propósito de intimidarem o ofendido, atemorizando-o “por força das propostas de cariz sexual” enviadas ao homem, decidindo que o levariam “para um local ermo, donde não conseguiria fugir, onde o iriam agredir fisicamente e que o filmariam a assumir a sua homossexualidade, no intuito de o humilhar”.
O coletivo de juízes deu como provado que, na execução do plano, os arguidos mantiveram os contactos com o ofendido como se do outro homem se tratasse, que “culminaram na marcação de um encontro”.
Chegados ao local do encontro, os arguidos, de 31 e 42 anos, ambos bombeiros na corporação de Figueiró dos Vinhos, mas com funções suspensas, “agarraram com força pelo braço” a vítima, que obrigaram a entrar na viatura de um deles, e retiraram-lhe o telemóvel.
Os arguidos iniciaram marcha até um local ermo, rodeado de rio e floresta, que distava 10 quilómetros do local de onde partiram, tendo, no exterior da viatura, desferido “diversos murros e chapadas na cabeça e na face e pontapés em várias zonas do corpo” da vítima.
De seguida, ordenaram-lhe que se ajoelhasse em frente aos faróis da viatura, que permaneciam ligados, “e, enquanto o filmavam contra a sua vontade e no intuito de o humilhar, questionavam-no sobre a sua orientação sexual”, tendo um deles ameaçado com a seguinte expressão: “Se esta conversa sair daqui de nós os três, vais parar dentro do rio agarrado a pedras”.
Entre outros aspetos, incluindo as lesões sofridas, o acórdão considerou também provado que um deles retirou os cartões SIM do telemóvel do ofendido e partiu-os, sendo que outro contactou posteriormente o homem com quem a vítima se cruzou na casa de banho e amigo dos arguidos, pedindo-lhe que fosse ao encontro deles, o que fez, tendo pedido para que parassem as agressões.
Assim, os arguidos transportaram o ofendido para Figueiró dos Vinhos.
Para o Tribunal Judicial de Leiria, os arguidos lograram, “com recurso ao uso da força, privar o ofendido da sua liberdade de movimentos, obrigando-o a permanecer no interior do veículo, bem como no local ermo (…), bem sabendo que o faziam contra a vontade daquele, impedindo-o de usar a sua liberdade de locomoção, e bem assim que lhe causavam sofrimento físico e psicológico e que, agindo como agiram, o sujeitavam a um tratamento não compatível com a natureza humana”.
“Os arguidos bem sabiam que o ofendido se encontrava fragilizado pela intervenção cirúrgica (…), o que diminuía a sua capacidade de defesa e reação”, mas tal “não os inibiu de procederem” desta forma, seja “ao privarem-no da sua liberdade de locomoção, seja ao atentarem contra o seu corpo e saúde, seja ao proferirem” aquela ameaça, “o que fizeram por força da sua homossexualidade”, lê-se na deliberação.