David Fonseca espera continuar no ativo “pelo menos mais 25 anos”, mesmo reconhecendo que, para um artista, é “complicado fazer música durante muito tempo”.
A meio da digressão “Still’25”, que assinala 25 anos de carreira com quase três dezenas de espetáculos em Portugal e um no Reino Unido, David Fonseca considera que, na música, “quando se faz um disco ou dois e as coisas resultam, é uma coisa; outra situação é levar uma carreira longa, com altos e baixos, e com a ideia de construir uma coisa”, afirmou à agência Lusa.
No seu caso, considera que mantém viva “uma vontade estranha de descobrir uma coisa que ainda não [sabe] o que é”. É esse instinto que o faz ter vontade de continuar a fazer música.
“Costumo dizer que quero fazer isto pelo menos mais 25 anos e é bem provável que o faça, porque continuo a sentir-me na garagem, e quando vamos ensaiar pela primeira vez um disco, sinto que há qualquer coisa de muito juvenil que fica muito viva e que está sempre viva durante a minha vida inteira, independentemente dos anos que eu tenha”.
Mas será que “Still’25” significa que continua a sentir-se com 25 anos?
“Claro que não, não”, responde, com uma gargalhada. “Tenho 51 [anos], mas a razão pela qual quis pôr esse título [à digressão] foi porque queria que ficasse claro que a vontade com que iniciei este processo de fazer música há 25 anos, é exatamente a mesma de agora”.
Um quarto de século depois, “não sou a mesma pessoa, obviamente”. “As pessoas vão mudando, os anos trazem-nos outras coisas, outras formas de ver – espero que melhores”, acrescentou.
David Fonseca garante não pensar muito no futuro.
“Aprendi muito cedo que as coisas mudam a uma velocidade tão grande que fazer planos a longo prazo era estar sempre aflito porque não se concretizam como uma pessoa os pensou”.
Ainda assim, em 25 anos nunca teve “nenhum disco que tenha corrido mal”, mas alguns tiveram “menos alcance do que outros”.
Independentemente disso, a indústria da música “puxa muito pela ideia de trabalho, de realizar coisas novas” e, quando se fala de futuro, “aquilo que procuro mais é continuar a fazer coisas, num prazo o mais curto possível”.
Há algum tempo que trabalha num novo disco de originais, sucessor de “Living Room Bohemian Apocalypse” (2022). “Há muitas ideias no ar e estou a trabalhar a todo o vapor nesse disco”, reconhece, mas a preparação e concretização da digressão por um lado e a vontade de mostrar o mais rapidamente possível o que faz por outro, fá-lo não saber ainda quando sairá nem o que vai conter o novo álbum.
“Cheguei a lançar canções um ano e meio depois de elas estarem feitas, mas não é uma coisa que goste muito de fazer, porque depois parece-me que já estou noutro sítio”.
Cada vez mais, David Fonseca antecipa a partilha do que cria.
“Quando chego a um sítio que gosto, lanço imediatamente, nem penso. Gosto da ideia de que as músicas que estou a tocar e que estão a acontecer ainda estão muito próximas daquilo que as fez nascer”.
“Temos alguns problemas bastante graves em Portugal com o ‘streaming’”
O músico considera que em Portugal há “alguns problemas bastante graves com o ‘streaming’”, porque os utilizadores nacionais das plataformas ‘online’ são, entre os da União Europeia, dos que menos pagam pela música que ouvem.
“Temos alguns problemas ainda em Portugal com o ‘streaming’. Alguns problemas até bastante graves”, porque “somos um dos países da União Europeia que menos paga o ‘streaming’ de música, seja no Spotify, seja no iTunes, seja em que plataforma for”, disse à Lusa.
David Fonseca lembra que “as plataformas de ‘streaming’ só produzem dinheiro para os artistas quando as pessoas pagam” e, em Portugal, “as pessoas não valorizam a música da mesma forma como olham para a assinatura de uma Netflix ou de outro meio de entretenimento”, exemplificou.
“Espero que vá aumentando em Portugal o número de pessoas que, de facto, assinam para ouvir música, porque a indústria também depende um bocadinho disto”, mesmo que o ‘streaming’ pague “muito, muito mal”, sobretudo “aos grupos mais pequenos”.
“Mas se as pessoas tivessem as subscrições desses serviços, talvez esse processo fosse ligeiramente mais equilibrado”, sublinhou.
David Fonseca é testemunha privilegiada da revolução que a indústria sofreu nas últimas décadas.
“Hoje é um processo todo ele muito mais rápido, às vezes até rápido demais”, defende.
Os serviços de ‘streaming’ fizeram “abrir as torneiras [de música] de todos os sítios do mundo” e “isso faz com que toda a indústria seja diferente”, mas também “a forma como as pessoas abordam a música e a importância que lhe dão”.
Para David Fonseca a era digital tem mais vantagens do que desvantagens, porque “há uma liberdade muito maior para que as pessoas possam explorar como ouvintes o que quiserem ouvir e como criadores terem a liberdade de pôr aí a sua música quando quiserem e de que forma o quiserem fazer”.
Quando começou a tocar, o mais importante “era vender música, era vender discos”. “O ‘streaming’ veio alterar totalmente esse paradigma”.
A facilidade com que hoje se grava e distribui a partir de casa “é uma das partes positivas do avanço da tecnologia”.
“Miúdos com acesso a um computador podem, de facto, fazer um disco. Mesmo que não saibam as notas que estão a fazer. Acho isso uma coisa incrível. Se aos 18 anos tivesse acesso a uma coisa dessas, eu tinha ficado louco”, admite.
São processos impensáveis há 25 anos, quando o músico começou nos Silence 4, um tempo em que “não havia nem um décimo da oferta que existe hoje” e tudo estava dependente das editoras.
“Mas também não sei se o tipo de sucesso que os Silence 4 tiveram seria replicável nos dias que correm”, porque havia muita seleção e “muito poucos [projeto] chegavam à gravação de discos”.
A mudança foi substancial a todos os níveis e, para o demonstrar, David Fonseca exemplifica com o contexto em que os Silence 4 gravaram no Reino Unido o segundo disco, “Only pain is real” (2000). “Foi durante mês e meio num estúdio em Londres. Ora, isso seria literalmente impossível nos dias que correm. Diria que esse orçamento daria hoje para fazer pelo menos uns 20 discos. E isso acaba por alterar muito a forma como a própria música se faz”.
Para a banda de Leiria que ficou na história da música nacional, “seria mais difícil ter um sucesso tão avassalador” na atualidade.
“Os Silence 4 até poderiam ter sucesso, mas não da forma como foi na altura – parecia que toda a gente ouvia aquela banda”, recorda.
Hoje, a realidade é “muito mais fragmentada”, o que é “mais positivo”, porque “há oferta para todos, há espaço para todos e não há uma ou duas bandas que dominam o mercado inteiro”. “Acho isso muito interessante, honestamente”, concluiu.