Dois ex-treinadores de natação do clube Bairro dos Anjos, em Leiria, foram acusados pelo Ministério Público (MP) na sequência de uma alegada praxe de que foi vítima um atleta menor.
A um dos arguidos, que foi professor e coordenador de natação de competição da Associação Desportiva, Cultural e Recreativa Bairro dos Anjos, estão imputados um crime de maus-tratos e dois crimes de coação na forma tentada.
Este arguido responde, também, mas em coautoria com outro antigo treinador do clube, por um crime de coação agravada na forma tentada.
O caso remonta a junho de 2022, por ocasião de uma competição em Badajoz (Espanha), na qual participaram atletas do clube.
Na viagem de ida, o coordenador “anunciou ao microfone do autocarro em que seguiam que, quando chegassem ao hotel”, em Elvas, iria “realizar-se a habitual ‘praxe’ de corte de cabelo aos atletas que, pela primeira vez, estavam a participar em competições internacionais”.
Segundo o despacho de acusação ao qual a agência Lusa teve acesso, aquele disse que todos os atletas teriam de aderir ao ritual, sob pena de serem excluídos da equipa.
No hotel, o outro ex-treinador, “munido de uma máquina de cortar cabelo”, começou a praxe, mas o menor recusou-se a participar e trancou-se no quarto.
Entre outros aspetos, o MP relata que o atleta telefonou ao pai “a gritar e a chorar convulsivamente”, referindo estar trancado no quarto “porque os arguidos queriam forçá-lo a cortar o cabelo”.
Só após a mãe do adolescente contactar outro elemento da equipa de treinadores, transmitindo que “não tinham o seu consentimento” para cortar o cabelo do filho, é que os arguidos “não lograram proceder ao corte”.
Após começar a deslocação para o complexo de piscinas de Badajoz, o então coordenador, no autocarro, “promoveu uma chacota pública tendo como alvo” a vítima “e por objeto o episódio da recusa do corte de cabelo”.
“Com efeito, com intenção de humilhar o menor”, o arguido anunciou ao microfone que “havia um sujeito que queria ser diferente de todos os atletas e que, por não cortar o cabelo, iria deixar de pertencer ao clube”, além de que estava excluído das provas, adianta o MP, sustentando que o atleta se sentiu “profundamente envergonhado e humilhado”.
Ainda segundo o despacho, o coordenador telefonou aos pais do atleta – que iam a caminho com outro casal para assistir às provas – pedindo que se dirigissem ao complexo, sem informar do motivo. Quando os progenitores chegaram, encontraram o filho “sozinho, no parque de estacionamento”.
O MP adianta que, no mês seguinte, este arguido convocou o casal para uma reunião ao qual transmitiu que se não retirasse os nomes do processo contra si instaurado pelos pais da vítima também a filha “deixaria de poder entrar nas competições de natação”, pois era ele “quem escolhia os atletas”.
Para o MP, os dois antigos treinadores do Bairro dos Anjos agiram para forçar o menor “a submeter-se ao ritual de corte de cabelo, usando para tanto a ameaça” de que, não o fazendo, seria excluído da competição, da equipa de natação e do clube.
O MP acrescenta que, “na qualidade de treinador e coordenador da natação da competição, e na ausência dos pais”, sobre este “impendiam deveres de cuidado, respeito e salvaguarda da integridade física e psíquica do menor”.
Porém, agiu com “o propósito conseguido de atingir o menor (…) na sua dignidade pessoal, molestando-o psiquicamente, em decorrência do terror, vergonha e tristeza que lhe causou”.
O MP pede o julgamento por um tribunal singular, não obstante o coordenador estar acusado de crimes a que corresponde, em abstrato, uma pena de prisão superior a cinco anos.