O alto rendimento obriga à concentração na modalidade mas não impede atletas, bem pelo contrário, do enriquecimento cultural. Música, literatura e património são as principais opções de Maria Pereira, jogadora profissional de andebol, e Evelise Veiga, saltadora da Juventude Vidigalense.
Primeiro dia útil do ano e entramos na cápsula do tempo com duas atletas! Mas, ao contrário do que é normal, vamos começar a viagem na atualidade, saltar para as origens e rematar novamente para a atualidade.
Maria Pereira viajou dois dias depois para a Islândia terminadas as férias de Natal e já com os jogos do principal campeonato de andebol profissional à porta. Representa Leiria e o andebol feminino lá fora há dois anos. E ao contrário da restante família, conta, foi a única que escolheu o desporto e não as artes para o seu trajeto.
Evelise Veiga, a outra “convidada” é natural de Cabo Verde e vive em Leiria há 10 anos. Foi por cá que encontrou o prazer de saltar, em comprimento e no triplo. Veste a camisola da Juventude Vidigalense e é detentora de vários pódios nacionais.
Com horários apertados e condicionados por treinos, jogos e estágios, além dos períodos obrigatórios de descanso, o enriquecimento cultural acaba muitas vezes por ficar em segundo plano. Na tentativa de contornar esta tendência, Paulo Lameiro, diretor convidado da primeira edição do ano, levou as duas atletas a visitar, pela primeira vez, o Museu de Leiria.
Concentremo-nos na exposição permanente que preenche o recente espaço museológico da cidade.
De audioguia nas mãos mas demasiado concentradas no que Paulo Lameiro explicava a cada passo que progredia no Museu, Evelise e Maria procuraram absorver tudo o que o maestro lhes transmitia. Uma espécie de “semente para levar para casa”.
Uma parte significativa da informação presente era, no entanto, desconhecida das desportistas, ainda que tivessem umas pequenas luzes sobre os temas abordados. A presença de vestígios de dinossauros ou do início da espécie humana na região foram duas das primeiras temáticas conversadas na primeira abordagem ao espaço expositivo.
Foi, no entanto, a figura do homo sapiens, entre seixos, que as fez elaborar uma leitura mais profunda sobre a espécie humana em adaptação à sua principal atividade. “Seria bom para o judo! É pequeno e forte!”, afirmou Maria Pereira.
E para o atletismo? “Para ser um bom saltador é demasiado baixo mas podia ser rápido, daria para velocidade”, entendeu Evelise Veiga, certa que não encontraria ali um adversário.
Controlo do corpo
Quando uma das maiores descobertas arqueológicas da região, e do mundo, aconteceu, Evelise Veiga tinha apenas dois anos e Leiria era algo que não lhe passava pela cabeça. A descoberta do Menino do Lapedo, em 1998, e todo o estudo arqueológico que se seguiu foram alvo de notícia em todo o mundo mas passaram despercebidas à saltadora da Juventude Vidigalense.
A forma como o esqueleto do Menino foi encontrado e todos os achados identificados captou a atenção da Evelise Veiga. Também Maria Pereira manifestou surpresa por ter sido na região, tão próximo de locais que conhece, que este tesouro arqueológico apareceu. “[Terá sido sepultado assim] para que possa estar em paz”, disse a andebolista ao ver o vídeo que complementa a informação disponibilizada sobre aquele período da história da humanidade e que teve ação no território da região.
A interpretação das duas atletas prosseguiu no Museu pela “travessia” do Pinhal do Rei e identificação de quem contribuiu para a edificação da região e de Leiria até aos dias de hoje.
Vários nomes foram rapidamente identificados pelas desportistas como tendo uma ligação clara a Leiria e à área em que se destacaram. Ufa! Afinal, a “pergunta do teste” até parecia ter resposta fácil. Mas um e outro nome presentes na floresta criada no centro do Museu criaram algumas dores de cabeça. Felizmente, o guia e professor Paulo Lameiro deu uma ajuda nas explicações.
Música e património
Na última concentração da seleção nacional de andebol, Maria Pereira teve oportunidade de visitar Salerno e Sicília, em Itália. Em causa estava a qualificação para o play off de acesso ao Mundial2017. O resultado acabou por não ser o desejado pela equipa nacional mas existiram outras conquistas que foram enriquecedoras para a lateral esquerda.
“Tivemos algum tempo livre durante os jogos e houve também essa preocupação por parte dos treinadores, de dar tempo às atletas para conhecer a região e a cultura local. Em Salerno, por exemplo, existia um castelo com uma vista espetacular. É importante conhecer a história do que aconteceu [nos sítios onde jogamos] e ter algum tempo para explorar os locais”, explicou.
Já Evelise Veiga explicou que os horários acabam por ser sempre mais condicionados no atletismo, devido às provas de qualificação, finais e tempos de descanso. Ainda assim, é na música que se refugia para se concentrar para o momento chave que determina a marca que obtém resultante do voo do salto em comprimento. Prefere a música mais comercial, pop e rock. Serão estes estilos musicais que gostaria que a acompanhassem até ao europeu de sub23 e nas conquistas dos pódios nacionais de pista coberta, cuja disputa tem início no final deste mês.
Na literatura, a escolha recai nos romances e Maria Pereira gosta também das temáticas relacionadas com a psicologia ou história. O tempo perdido em viagens e aeroportos para a Islândia e de regresso a Portugal, pelo menos até final da época, ajudam a este enriquecimento.
Melhorar marcas
E é na sala Leiria Contemporânea que termina a viagem de estreia das atletas no Museu de Leiria. “Há mais liberdade de pensamento e interpretação”, remata Maria Pereira.
As obras de Lino António concentram a análise, agora mais profunda e comparativa, com a cidade que Evelise e Maria conhecem atualmente. Ainda assim, a travessia do rio Lis bem junto da Sé e a praça de touros, próxima da Senhora da Encarnação e do Museu que visitavam, retratadas nas obras levantaram as dúvidas finais.
A visita ficou concluída com um balanço positivo feito pela Maria e Evelise, pelo convite lançado para visitar o mais recente espaço cultural da cidade, certas que regressaram aos treinos com um maior conhecimento da região onde treinam, jogam e vivem. Quase como se tivessem acrescentado uns centímetros ao recorde pessoal. “Com tanta história que tem Leiria como é que só há tão pouco tempo é que foi criado este espaço?”, questionaram.
Marina Guerra (textos)
marina.guerra@regiaodeleiria.pt
Sérgio Claro (fotos)
(artigo publicado na edição de 5 de janeiro de 2017 e editado para publicação online a 21 de janeiro de 2017)