A queda no número de bombeiros nos diversos concelhos da região ronda os 44% na última década Foto: Joaquim Dâmaso
Quando as chamas mostram a sua ferocidade, chamam-se os bombeiros. Se a situação é de emergência, espera-se dos bombeiros o socorro que apague a aflição. Mas há cada vez menos bombeiros para atender ao socorro. Os números são claros: na última década, o número de soldados da paz na nossa região caiu para perto de metade.
O papel dos bombeiros como primeira linha de defesa das populações, ficou especialmente evidente neste verão e outono. Em meados de junho na tragédia de Pedrógão Grande, quatro meses depois na mata litoral reduzida a cinzas, o exército vestido de vermelho e que enfrentou as chamas, foi elogiado pela entrega e empenho na tentativa de travar as chamas.
Não raras vezes, foram apelidados de heróis, amplificando o consenso em torno deste grupo maioritariamente composto por voluntários. Mas os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) espelham um lento mas evidente declínio nas fileiras da corporações. Dito de outra forma, há cada vez menos “heróis”.
Foi do inquérito às entidades detentoras de corpos de bombeiros que saíram os números que mostram que em 2006, o distrito e o concelho de Ourém tinham, em conjunto, 3.193 bombeiros. Esse foi o pico de crescimento. O ano de 2005 fora desolador no distrito, com uma vasta de área ardida (a rondar uns surpreendentes 28 mil hectares). O ano seguinte foi de aumento no número de bombeiros, ultrapassando a fasquia dos três mil. Mas em 2007, iniciou-se uma queda que não mais parou.
No ano passado, aponta o INE, a região tinha apenas 1.795 bombeiros: menos 44% em relação ao pico atingido apenas dez anos antes. Uma descida ainda mais acentuada da registada a nível nacional que foi, nesse mesmo período de 33%.
A crise, emigração e alterações legislativas ajudam a explicar este decréscimo, aponta Rui Vargas, presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Leiria. A obrigatoriedade do registo nacional de bombeiros fez cair este indicador, mas não só.
“As dificuldades financeiras, que implicam maior dificuldade em dar tempo voluntário e a saída para o estrangeiro”, influenciaram o declínio, esclarece. É importante, portanto, “a ajuda estatal e ao nível das câmaras com pequenos incentivos”. “Podem parecer pequenas mas são medidas muito importantes para o voluntariado”, diz.
O fim de bonificações para o tempo da reforma ou da isenção das taxas moderadoras, foram sinais desencorajadores, aponta. E com o emagrecimento das corporações, “os bombeiros no quadro ativo são sobrecarregados” o que diminuiu os níveis de motivação. Rui Vargas elogia o “espírito de sacrifício” dos bombeiros que lhes permite ir “dando conta do recado”. Mais do que o número de bombeiros, para este responsável o problema centra-se ao nível dos responsáveis pela “articulação” e “organização” dos bombeiros.
Antigo autarca e ex-presidente da corporação de bombeiros de Porto de Mós, José Ferreira é agora o responsável máximo da Escola Nacional de Bombeiros. “Não tenho dúvidas que existem menos bombeiros”, confirma, embora coloque algumas reservas aos números do INE.
Faltam apoios para estancar saídas
Lembra que há uma década que existe um processo de recenseamento de bombeiros “muito mais fidedigno do que o registo anterior”. Afinal, o distrito tem 68 elementos do quadro de comando, 1.778 no quatro ativo e mais oito centenas de elementos sem quadro, na sua maioria estagiários, não contabilizando os quadros de reserva. Ainda assim, reconhece, “sem dúvida que existe decréscimo, causado por alguma emigração, abandono ao fim de dois ou três anos”.
Afinal, explica, “são voluntários, mas a quem se exige um elevado nível de desempenho e prontidão”, além de que há “muitos jovens que finda a sua formação académica fora da região, não retornam”. Para José Ferreira, a grande questão é mesmo quantos bombeiros, “em estado de prontidão, temos para a emergência”. E neste caso, “o número é insuficiente”. É preciso duplicar as Equipas de Intervenção Permanente, defende, visando “assegurar o serviço de emergência de forma mais eficaz”. Afinal, exemplifica, a cidade de Berlim, numa área equivalente de Porto de Mós a Pombal, e da Nazaré a Fátima, com quatro milhões de pessoas, “só tem 4.000 bombeiros entre profissionais e voluntários. Logo, a questão é outra”.
“O voluntariado continua vivo”, entende. O problema central prende-se com o número de bombeiros que permanecem nas corporações. “Será preciso profissionalizar mais elementos”, mas não só: “os municípios terão de ter politicas mais ativas de índole social para estimular e manter o voluntariado, sob pena de terem de criar corpos de bombeiros municipais, por certo, mais dispendiosos”, adianta.
Não admira que a questão dos incentivos aos bombeiros esteja a entrar na discussão municipal. O concelho da Marinha Grande viu uma boa parte do seu território consumido pelo incêndio de meados de outubro. Agora poderá aprovar um pacote de incentivos há mais de um ano reclamado pelos bombeiros. A CDU, na oposição, já reclamou que o assunto seja discutido com urgência: descontos em espetáculos, apoios nas propinas, nos transportes públicos e na fatura da água, são apenas alguns exemplos de medidas que pretende ver implementadas para tentar cativar os bombeiros. “São medidas de reduzido impacto económico mas que podem ajudar a atrair jovens para os bombeiros”, explicou Alexandra Dengucho, vereadora autora do pacote de apoios.
Se os soldados da paz da Marinha Grande são agora um terço do que eram em meados da década passada, no tempo de um fósforo a mancha florestal foi reduzida a 14% do que era há pouco mais de um mês.
Artigo originalmente publicado na edição em papel de 30 de novembro de 2017
Carlos S. Almeida
Jornalista
carlos.almeida@regiaodeleiria.pt