Há quem não saiba quando desligar das redes e esteja demasiado mergulhado num distorcido espelho da nossa sociedade. O problema está a crescer entre nós. Especialistas detalham riscos e vantagens do maravilhoso mundo dos “likes”.
Chama-se “Stop Technology Addiction”, é uma pequena caixa de cartão de onde saem conselhos diários que, em 21 dias, prometem ajudar a deixar a dependência das tecnologias. Está, claro, à venda na internet. É já uma evidência que a ligação permanente à tecnologia que nos entrelaça, é uma caixa. Uma caixa de pandora.
“Tem sido crescente a procura de tratamento por situações de dependência à internet e, particularmente, às redes sociais”, refere Eduardo Ramadas da Silva. Ele é o responsável máximo do Villa Ramadas, um centro internacional de tratamento de dependências, sediado em Alcobaça. A facilidade de comunicação, a interligação, o encurtamento de distâncias e mais um infindável número de vantagens estão aí, a um passo do “log in” e consequente mergulho no mundo das redes sociais.
Há quem não saiba quando desligar das redes Ilustração: Jorge Morgado
Mas há também casos de quem se aventura em marés onde perde o pé. Afoga-se na dependência desse mundo virtual. E este centro de Alcobaça é muitas vezes o bote salva vidas de casos mais extremos. Só os mais novos estão expostos ao risco? “A expectativa de algumas pessoas pode ser a de que apenas os mais jovens desenvolvem dependências a estas ferramentas relativamente recentes, mas não é verdade”, aponta Eduardo Ramadas da Silva: “curiosamente, no nosso centro, a média de idades dos pacientes com esta problemática é 31,75 anos”.
Três quartos dos pacientes são homens, adianta, socorrendo-se da estatística do universo de casos que chegam ao centro. Acresce que “cerca de 75% dos pacientes que procuraram tratamento para dependência à internet e redes sociais, apresentavam comorbilidade com outras perturbações”. Ou seja, esta dependência surge em simultâneo com problemas “como o abuso de substâncias, a depressão e as perturbações alimentares”. Baseando-se na sua experiência não tem dúvidas: “este parece, sem dúvida, ser um fenómeno em crescimento”.
Pelo menos para já, João parece estar bem apetrechado para conseguir passar ao lado deste fenómeno. Já esteve no Facebook, a rede social rainha em Portugal, mas divorciou-se dela. Os conteúdos que por lá moram não lhe suscitam interesse e preza a sua privacidade – razão pela qual João é apenas um nome fictício para este jovem engenheiro informático de Leiria. João segue uma dieta muito particular nas redes sociais: apenas está presente numa rede dedicada a informáticos e no Linked In (uma rede de cariz profissional). E será possível continuar à margem deste oceano onde todos navegam na partilha de interesses, gostos, opiniões? “Acho que se foi possível até aqui, vai continuar a ser”, diz, confiante.
A fazer fé em Chamath Palihapitiya, um antigo vice-presidente do Facebook, a distância em relação às redes sociais cultivada pelo João, é benéfica. As recentes declarações deste antigo quadro do império de Mark Zuckerberg, segundo o qual as redes sociais estão “a destruir a forma como a sociedade funciona” e a “erodir os mecanismos fundamentais de como as pessoas agem e interagem”, ecoaram como um alarme em todo o mundo.
“As transformações provocam sempre reações contraditórias de entusiasmo e de medo”, comenta a psicoterapeuta leiriense, Tânia Pinto. A utilização das redes sociais transforma “as formas de socialização entre as pessoas, assim como o telefone ou a facilitação da mobilidade transformaram”, explica. Na prática, a tecnologia é positiva quando “o seu uso continue a servir o real e concorrer para o enriquecer”. Caso seja uma “forma de evitar o real passa a representar um risco individual e coletivo”. E, por vezes, os casos de risco chegam ao consultório desta psicoterapeuta leiriense.
Na sua prática clínica, Tânia Pinto revela que encontra “pessoas introvertidas que usam quase exclusivamente estas redes para tentar encontrar um parceiro amoroso e construir a sua rede social, que muitas vezes aprofundam no real”. O anonimato ajuda a “experimentar o real com mais confiança”. Mas a psicoterapeuta também se cruza com pessoas que “pelas exigências do seu trabalho são obrigadas a estar hiperconectadas e a sincronizar todos os seus aparelhos”. São pessoas que “temem pela sua privacidade”, vivendo com “grande angústia a sensação de serem vigiadas e controladas em permanência”. Há, igualmente, o reverso da medalha: “pessoas que se afastam o mais possível das redes sociais com medo de perder o controlo sobre o que mostram e o que escondem”.
É que apesar do passo acelerado da tecnologia, continuamos a ser produto da evolução da nossa espécie, lembra Eduardo Ramadas da Silva. “Ainda estamos ‘programados’ para nos relacionarmos com algumas dezenas de pessoas numa aldeia e não com milhares, ou mesmo milhões, por todo o mundo”, refere. Quer isto dizer que quando nos relacionamos presencialmente “o nosso tom de voz e a nossa linguagem comportamental têm mais peso na comunicação com os outros”. Já nas redes sociais “estas duas dimensões são eliminadas na grande maioria”. Não será pois de estranhar que “existam demasiados conflitos desnecessários nas redes sociais, e que o mundo virtual se torne mais instável e reativo que o real”, reforça.
Há alguém mais feliz do que eu?
Na atualidade, as redes sociais também funcionam como um palco em que “cada um escolhe para passar para os outros a imagem que quer dar de si”, lembra a leiriense Maria João Antunes, docente no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro.
Ou seja, “quando nos apresentamos perante os outros tentamos controlar, de múltiplas formas, a impressão que deixamos sobre nós. Fazemos isso através do uso das palavras, da forma como nos vestimos e adornamos, do gesticular, do posicionamento do corpo, entre outros”. Mas nas redes sociais “a criação de imagens distorcidas fica facilitada”. A manipulação passa a ser uma possibilidade. E, consequentemente, publicam-se “as imagens que mais nos favorecem e que melhor expressam a imagem que queremos passar de nós: paisagens idílicas durante o verão, convívio com os amigos ao fim de semana, aprazíveis ceias de Natal na consoada”. E não falta um filtro adequado para cada uma das ocasiões, sublinha a docente.
Para Eduardo Ramadas da Silva, as redes devem ser percebidas como “um moderno álbum de fotografias e experiências”, onde se colocam as “nossas melhores memórias”. Mas, explica, “qualquer pessoa sabe que o álbum não reflete toda a nossa vida”. Até porque na maioria dos casos, os momentos aborrecidos ou menos positivos ficam de fora das redes. Contudo, em casos mais extremos, os utilizadores “até fabricam momentos que não foram reais, para tornar a sua vida mais apelativa, excitante e aumentar a probabilidade de likes”. O importante é não esquecer este facto. Senão, enfatiza Eduardo Ramadas da Silva, “podemos começar a considerar que todos têm uma vida melhor que a nossa”. E isso não é necessariamente verdade.
Texto adaptado do artigo originalmente publicado na edição em papel de 21 de dezembro de 2017 do REGIÃO DE LEIRIA
Carlos S. Almeida
Jornalista
carlos.almeida@regiaodeleiria.pt
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O Facebook é a rede com maior penetração em Portugal, com 95.5% de referências, a que se seguem o Instagram (50.2%), o WhatsApp (48.1%), o Youtube (45.9%), o Google+ (35.4%) e o LinkedIn (30.8%), revela um estudo da Marktest
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Quase metade da população portuguesa utiliza as redes sociais, revelam os dados de um estudo divulgado este ano. Segundo o Bareme Internet, Portugal conta já com mais de 4,5 milhões de utilizadores de redes sociais
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Entre os pacientes que recorrem ao centro Villa Ramadas por causa de problemas com a dependência da internet e redes sociais, a maioria (75%) são homens, revela Eduardo Ramadas da Silva, responsável do centro
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Pode ser enganador supor que o problema da dependência da internet e das redes sociais seja exclusivo dos mais novos. No centro Villa Ramadas os pacientes têm, em média, quase 32 anos de idade
Um grupo no Facebook que é um espelho da Marinha Grande
Saber onde se pode comer sopa da pedra, divulgar o caso de um cachorro que se perdeu ou debater os mais recentes temas da atualidade política da Marinha Grande. Com mais de 26 mil membros e quase sete anos de atividade, o grupo da Marinha Grande no Facebook é uma larga comunidade onde as mais diversas questões podem se são debatidas. Um exemplo de como as redes sociais podem funcionar como polo aglutinador. Miguel Próspero, fundador e administrador do grupo, revela alguns dados surpreendentes referentes a dois meses de atividade: 7.063 publicações e mais de 40 mil comentários registados, para além de quase 135 mil reações, registados no grupo. Sem surpresa, o maior pico de participação ocorreu no período dos recentes incêndios de outubro. “Facilitar o encontro da comunidade” é um dos princípios fulcrais do grupo. O objetivo passa por “chegar não só a todo concelho”, explica Miguel Próspero, como “o ultrapassar com a comunidade emigrante e imigrante, chegando a toda comunidade”. E o objetivo continua a ser trabalhado diariamente. O certo é que o grupo tem elementos até na Casa Branca, nos Estados Unidos da América, refere o seu administrador. Foi depois de ouvir, num debate, o empresário Henrique Neto lembrar que a Marinha Grande necessitava de “criar uma grande mesa redonda em que todas as pessoas que o queriam podiam fazer chegar as suas ideias e elas democraticamente serem discutidas e acima de tudo aproveitadas”, que Miguel Próspero decidiu colocar mãos à obra. Antes precisou que a filha lhe explicasse o que era e como funcionava o Facebook. Estávamos em 2011. Quase sete anos depois, o grupo é uma verdadeira comunidade virtual onde os problemas do concelho são profusamente debatidos.