As suspeitas em torno da possibilidade de os efluentes da ETAR do Coimbrão, que são canalizados para o rio Lis, estarem a contribuir para os elevados níveis de poluição aí registados, adensaram-se na sequência da avaria assumida pela empresa.
Um vídeo partilhado dia 7 nas redes sociais, documentando uma descarga poluente no rio Lis, na zona da Galeota, Vieira de Leiria, mostrava uma substância líquida acastanhada a ser enviada para o leito do curso de água. No dia seguinte, a Águas do Centro Litoral (AdCL), confirmou que se tratou de “uma descarga pontual” proveniente da ETAR do Coimbrão, “devido a avaria do sistema de desidratação”, anunciando o “aluguer de equipamentos” para incrementar o volume tratado na ETAR que recebe, diariamente, 23 mil metros cúbicos de águas residuais para tratamento.
Mas as explicações não convencem os autarcas. Álvaro Letra, vereador da CDU na Câmara da Marinha Grande, levanta a possibilidade de a ETAR do Coimbrão poder estar a poluir o rio Lis. Com uma faixa negra no braço em sinal de luto pelo rio, na reunião de Câmara da Marinha Grande da última segunda-feira,dia 12, lembrou que tem levantado a questão com frequência. De facto, apenas duas semanas antes, afirmou em reunião do executivo: “a cor da água do rio Lis, e isso é diário, é castanha e [a responsabilidade] não é das pecuárias”.
Vídeo captado na zona da Galeota no dia 7 de agosto Imagens captadas por Vítor Augusto
O REGIÃO DE LEIRIA consultou as fotografias de satélite da zona da Galeota, disponíveis na plataforma Google Earth, que parecem confirmar isso mesmo: o leito do rio Lis ganha, na zona de descarga da ETAR do Coimbrão, uma coloração acastanhada. E não será de agora.
Na fotografia mais recente da zona naquela plataforma (de 18 de agosto de 2018), é visível a entrada de uma substância acastanhada no leito do rio. Fotos de outras datas (a 8 de agosto e 17 de junho de 2018), apontam no mesmo sentido Será indício de que algo de anormal acontece?
Imagens de satélite de junho e agosto de 2018, mostram substância acastanhada a entrar no leito do Lis
Imagens: Google Earth
Segundo a AdCL, a coloração acastanhada é normal. “O efluente tratado na ETAR do Coimbrão, por via dos lixiviados de aterro da Valorlis e Resilei que recebe para tratamento, apresenta, sempre, uma coloração acastanhada”, refere a empresa. A AdCL acrescenta que a cor acastanhada do efluente – que é enviado para o rio no âmbito de uma licença emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – é mais evidente no verão. “Em período de estiagem, os caudais do rio Lis baixam substancialmente e, por isso, o caudal proveniente da ETAR apresenta um maior contraste quando se mistura no rio, dando a perceção ao cidadão de que o mesmo não se apresenta nas devidas condições, o que, tal como evidenciam os resultados dos boletins, não é a realidade”.
A empresa reconhece que as fotos de 2018, disponíveis no Google Earth, “aparentemente” se referem ao “ponto de descarga da ETAR do Coimbrão para o rio Lis”, mas lembra que os boletins de análise às águas residuais da ETAR (publicados na página da empresa) revelam “sempre o cumprimento integral de todos os parâmetros analisados face aos Valores Limites de Descarga determinados pela Licença de Descarga emitida pela APA”, à exceção de um parâmetro em novembro desse ano.
Descarga criticada
O impacto da atividade da ETAR está debaixo da atenção de autarcas e deputados. Em consequência da descarga de dia 7, Cidália Ferreira, presidente da Câmara da Marinha Grande, exigiu, em comunicado, “um forte investimento nas estações de tratamento ao longo do rio Lis, de forma a que esta situação nunca mais se volte a repetir”. A poluição no Lis, que desagua na Praia da Vieira, no concelho da Marinha Grande, tem contribuído para que “a qualidade de vida [naquela povoação] seja diminuída e os investimentos turísticos colocados em causa”, reforçou a autarca.
A autarquia denunciou o caso à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e pediu uma “reunião urgente” com o ministro do Ambiente e com o presidente da AdCL. Na reunião do executivo de dia 12, depois da insistência da vereadora da oposição Ana Monteiro (MpM), Cidália Ferreira concordou em enviar o caso para o Ministério Público.
Nessa mesma reunião, Ana Monteiro (MpM) adiantou ter tido acesso a um novo vídeo de uma nova descarga na Galeota, durante a manhã desse dia. Não houve “quaisquer descargas não conformes na ETAR do Coimbrão”, assegura, no entanto, a empresa.
No Parlamento, o CDS-PP questionou o Governo. Entre outras questões, perguntou “se com esta capacidade de efluente [da ETAR do Coimbrão] se verificam estes problemas, graves, como será quando aumentar a capacidade”, interrogando ainda o executivo sobre “quem vai suportar os custos do passivo ambiental criado por estes episódios de poluição”.
Em Leiria, Álvaro Madureira, vereador do PSD, apelidou a situação de “gravíssima”, lamentando que “entidades em que devemos confiar” se deem “ao luxo de falhar e com consequências gravíssimas para o ambiente, para o turismo, para a saúde”, defendendo uma “ação fiscalizadora por forma a verificar aquilo que se passa”. “Temos que saber a qualidade dos efluentes quando são largados no rio Lis, e não dizer apenas que estão de acordo com a lei”, reforçou. Raul Castro, presidente da Câmara, revelou que reunirá na próxima semana com o presidente da Águas de Portugal e que o assunto será abordado, defendendo que sejam apuradas responsabilidades relativas a este incidente.
A descarga na ETAR teve como consequência direta, no dia 8, a emissão de um aviso a desaconselhar, preventivamente, a ida a banhos na Praia da Vieira. Esta situação ocorreu na semana em que o Município da Marinha Grande divulgou um vídeo promocional sobre a qualidade das praias do concelho. O aviso foi levantado dia 12, depois das análises atestarem a qualidade das águas balneares.
Todavia, à semelhança do ocorrido no ano passado, o Município da Marinha Grande continua a desaconselhar os banhos no rio Lis, nomeadamente na zona da foz. As análises à água do rio na zona da foz referentes à atual época balnear, e cujos resultados a autarquia divulga no seu site, não deixam margem para dúvidas. Os valores da E.coli e de Enterecocos intestinais estão sistematicamente acima do limite legal, sendo, por vezes, vinte vezes superiores ao teto previsto na lei.
Esta é uma situação que não surpreende Mário Oliveira, presidente da Oikos de Leiria. “Há anos que os resultados das análises efetuadas pela Oikos à qualidade da água do rio Lis e alguns dos seus afluentes”, diz, “vêm revelando esta inconformidade, cujo pico foi alcançado em 2018”. “Não poderemos afirmar que a causa seria a mesma que agora foi conhecida… mas também não se poderá colocar de parte a hipótese de o ser”, diz. “Apenas os responsáveis pela gestão da ETAR poderão fornecer a informação de há quanto tempo a situação de falha técnica se verifica”, diz.
A Oikos lamenta o incidente que “acaba por contribuir para o descrédito de uma instalação e entidade que em muito tem contribuído para a melhoria do estado dos recursos hídricos na região”, afirma. Mário Oliveira reconhece que reportar a deficiência e o lançamento do efluente indevidamente tratado no rio Lis à APA, “pode ser o procedimento correto”, mas entende que “não informar as demais entidades com responsabilidade na gestão ambiental do território afetado, bem como a comunidade que diária e diretamente convive com o ‘pesadelo da contaminação do rio Lis’, parece-nos um erro lamentável que, esperamos, não se repita”.
CSA/MR
Nota: Artigo originalmente publicado na edição impressa de 15 de agosto de 2019, complementado com informação adicional