Premiado em 2003 com o Prémio Literário Afonso Lopes Vieira, “Manual das feiticeiras” chega agora ao público, numa edição Parsifal que é lançada este sábado, dia 14 de setembro, às 17 horas, na Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira, em Leiria. O autor, Fernando José Rodrigues, nasceu em Coimbra mas vive há largos anos em Leiria. É escritor, ator, professor e fundador do grupo de teatro O Gato – Palavras de Sobra. É também tradutor e foi nessa condição que ganhou fama, em 1998, quando assumiu a responsabilidade pela versão inglesa do discurso que José Saramago leu na Academia sueca, aquando da entrega do Nobel da Literatura. Com “Manual das feiticeiras”, Fernando José Rodrigues foi o último vencedor do Prémio Literário Afonso Lopes Vieira, que é recuperado este ano pela Câmara de Leiria, estando a apresentação do mesmo agendada para este sábado, na biblioteca (regulamento disponível aqui).
“Manual das feiticeiras” ganhou o Prémio Literário Afonso Lopes Vieira em 2003. Como surge esta edição, 16 anos depois?
Sendo uma novela premiada era estranho não ter sido antes publicada. Na altura chegou a falar-se nessa possibilidade mas por razões das quais não me recordo, nunca foi avante. Em 2019, vários elementos se conjugaram: primeiro, o facto de eu celebrar 20 anos de preguiçosa, mas orgulhosa actividade literária, com vários romances publicados, mais prémios atribuídos, contos espalhados em várias colectâneas e poesia clandestina. Segundo, ter decidido que era altura de retirar “Manual das feiticeiras” do limbo. E depois, e não menos importante, a boa vontade e dinâmica cultural da Câmara de Leiria, nomeadamente da vereadora drª Anabela Graça que, tendo decidido retomar o Prémio Literário Afonso Lopes Vieira, apostou no apoio desta edição. Foi também o reencontro com Marcelo Teixeira, da Parsifal, responsável pela edição. Tínhamos trabalhado anteriormente com o meu romance “Gestos esquecidos” e foi, posso afirmar, um bom e profícuo reencontro. Para além do texto, pensei que a novela ficaria enriquecida com ilustrações a preto e branco. Falei com a Leonor Lourenço, pois conhecia o seu trabalho. Conversámos e pedi-lhe ilustrações cruas, nalguns casos grotescas, pois cruel e grotesco era também o cenário social descrito na novela. E aí está “Manual das feiticeiras”, à mercê do público, não só como novela mas também como belíssimo objeto artístico.
Qual é a história de “Manual das feiticeiras”?
“Manual das feiticeiras” começa com um auto de fé no século XVI. Nesse espaço e nesse tempo, Maria de Jesus, a condenada à morte, já as chamas lhe começam a comer o corpo, decide que não há-de morrer. 500 anos depois, já no século XXI, uma mulher começa a fazer milagres sem saber como nem porquê. E nesta história se hão-de enrolar outras, a de um homem que gosta de ver chover e a de um cão que sabiamente lhe ‘faladra’. E mais não posso dizer…
Foi escrito em que contexto da vida do Fernando?
Sou um escritor de escrita lenta. Procuro refinar as narrações logo de início. Por isso os meus romances demoram mais de dois anos a serem terminados (às vezes mais mas porque os narradores, às vezes aborrecidos, fogem dos palcos da acção). No entanto, “Manual das feiticeiras”, o seu esboço, surgiu na totalidade numa noite. Por essa madrugada enfeitiçada escrevi os tópicos e trama da novela. E depois atirei-me à escrita, com tal sofreguidão, que em 15 dias tinha terminado.
Olhado para os nossos dias, o subtexto da obra está mais atual do que em 2003?
Curiosamente “Manual das feiticeiras” está tão actual como em 2003. Podia estar desajustada dos tempos de hoje, mas não. O que quer dizer que socialmente mudámos pouco e que os nossos egos sociais, as nossas invejas, a pouca disposição para ver o outro além da superfície continuam tão iguais em 2019 como o eram em 2003. E que tudo aquilo que prometemos, quer em termos físicos quer espirituais, tem de ter sempre algo em troca. Não nos “oferecemos”, damo-nos à troca. Esta troca está patente em “Manual das feiticeiras”. Queremos milagres e quando eles não ocorrem de acordo com os seus desejos, as sociedades, os indivíduos rechaçam o suposto milagreiro. A única coisa que alterei no texto foi a menção de objetos que em 2003 eram correntes e que hoje já não se usam, como por exemplos as cassetes vídeo VHS e Beta. O resto é como se tivesse sido escrito ontem.
A Câmara de Leiria relança agora o Prémio Afonso Lopes Vieira. É uma boa notícia?
Não é só notícia. É já uma realidade. E muito boa. A aposta na cultura, nomeadamente na procura de novos talentos, na afirmação dos bons escritores que temos na região, a promoção da leitura e da escrita junto dos alunos das nossas escolas é não só desejo reafirmado dos escritores como agentes culturais, mas também da Câmara Municipal, como impulsionadora de vontades. Isto aplica-se não só à literatura e edição, mas também ao teatro, à dança, às artes plásticas e outras artes performativas.
Tem em preparação algum novo livro?
Em preparação está um romance, de seu título “Um ódio quente do norte” e subtítulo “atentado em Lisboa”. O centro da história é uma mulher que, em virtude de uma atentado terrorista em Lisboa, vê a sua filha ser morta. Nesse contexto dramático, essa mulher que tinha sido uma defensora dos direitos humanos, de defesa das minorias, do respeito pela lei, o que mais deseja a partir daí é vingança mais que divina sobre os descendentes e familiares do homem que perpetrou o atentado. E nessas movimentações vai deparar-se com segredos de Estado e inocentes traídos. O perigo também estará perto dela. Sem que ela o saiba. É um romance que procura refletir sobre o nosso frágil tecido social que suporta aquilo a que chamamos os direitos civis. Há gente perigosa que nos quer ver regredir a tempos em que esses direitos não existiam.
Para além da literatura, está também ligado ao teatro. Que projetos desenvolve atualmente nessa área?
N’O Gato – Palavras de Sobra, são vários os nossos projetos. Desde o teatro que levamos a escolas do Pé-escolar e 1º ciclo, quer aos “Pastores de Palavras”, uma viagem poético-musical ao universo de Fernando Pessoa, até ao nosso querido projeto de Teatro Sénior. Neste último, trabalhamos com utentes dos 70 aos 100 anos, da ADESBA, da ASSISTE, da AMITEI e do Lar Social do Arrabal e em conjunto apresentarão uma peça. Estão convidados para assistir ao resultado de muitos meses, no dia 16 de Outubro, pelas 14h30, no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. Temos várias estreias para este ano: uma peça nova, comédia, com a Dulce Silva e a Joana Vieira nos papéis principais; também uma peça infantil sobre a Leitura e uma outra, para alunos do 3º ciclo e do ensino secundário, com a participação de Eça de Queiroz. Em breve O Gato dará mais notícias.
ML
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