Para alguns pensadores, cada indivíduo é definido pelo resultado global das suas ações e das tomadas de decisão, que dependem dos potenciais carateres individuais gerados pela interação dos genes herdados dos seus pais com o meio ambiente envolvente. No fundo, nós não nascemos verdadeiramente humanos, nós tornamo-nos humanos ao longo de um processo de educação e controlo gerados pela escola, família e sociedade. Num mundo perfeito, cada família deveria ter o papel de determinar, com a maior assertividade possível, a forma como se desenvolveria cada um dos seus. Contudo, não vivemos num mundo perfeito e as famílias não apresentam todas o mesmo potencial financeiro, cultural, etc… Cabe ao Estado tentar suprir este problema, garantindo aos jovens cidadãos a máxima igualdade. Cada jovem deveria ter, tanto quanto possível, acesso a informação e estímulos relevantes ao longo do percurso escolar, que lhe permitissem construir uma estrutura moral e intelectual adequada a uma integração facilitada e positiva no mundo que o rodeia.
Os jovens são esponjas do meio envolvente, sendo tal evidente nas idades mais precoces onde o impacto na edificação das personalidades, futuras ambições e comportamentos é muito significativo. Cabe aos pais confiarem que os temas escolares sejam transmitidos de forma adequada em cada idade. Não devem existir temas proibidos. Os temas são adequados a cada momento com uma abordagem correta, que é garantida pela interpretação e transmissão do docente. A abordagem do professor poderá não ser perfeita, contudo tem de existir confiança: médicos, bombeiros e até, vá-se lá saber… banqueiros e políticos erram, os professores também. Existem mecanismos e abertura por parte das escolas para resolver ou minorar qualquer situação.
Deveríamos estar atentos à intolerância sobre os temas mais complexos ou tabu. Certos pais pretendem que os filhos sejam repetições de si mesmos, havendo uma cartilha a cumprir para a religião, clube, orientação política ou sexual. A família não deve procurar um clone de si mesma, deve dar espaço para o indivíduo aprender, evoluir e conhecer outras perspetivas que lhe permitam desenvolver uma personalidade única, livre, com capacidade de fazer as escolhas que definem cada um. Reparem na biologia da reprodução: esta, quando assexuada, gera clones com pouca capacidade evolutiva e adaptativa. Por outro lado, a reprodução sexuada gera diversidade e uma preparação maior para qualquer alteração do meio. A capacidade de evoluir, de aprender é fundamental para garantir a plasticidade num mundo cada vez mais desafiante e multicultural.
A polémica à volta da formação cívica fez-me recordar o paradoxo da tolerância de Karl Popper. Este afirma que tolerância ilimitada irá no final destruir a própria tolerância. Uma sociedade que se quer plural, informada e livre deve facultar ao cidadão o conhecimento necessário para ser respeitador e tolerante. Já eliminámos demasiadas disciplinas ditas “inúteis” quando todas as formas de conhecimento têm valor: arte, ciência, história da religião deveriam enriquecer os currículos escolares independentemente das vontade dos pais, de modo a que os filhos ganhem a capacidade e a lucidez de serem intolerantes com a intolerância.
(Artigo publicado na edição de 24 de setembro de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)