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Bruno Monteiro

Bruno Monteiro

Professor

A metáfora da criança morta

Neste cenário de pandemia, celebridades e “gajos” do Facebook juntaram as vozes em uníssono num panteísmo fantasioso, onde o Universo, qual tia anafada, nos estava a apertar as bochechas por não querermos comer a sopa…

A nossa sociedade tem-se mantido distraída da importância de gerar e selecionar conhecimento de melhor qualidade, bem como da importância de aproximar e integrar nos indivíduos a vontade de saber e o acicatar da curiosidade, que é, aliás, o melhor motor para lançar na personalidade dos mais novos os alicerces para uma aprendizagem mais natural. Uma sociedade que valoriza o conhecimento fomenta o desenvolvimento de espírito crítico e uma responsabilidade transversal na forma como usamos aquilo que sabemos. Infelizmente, em demasiadas situações a Escola tem sido veículo único para a aprendizagem. Na verdade, mergulhámos numa certa hipnose onde meios de comunicação e redes sociais embalam uma geração que precisa de fazer bem melhor.

A Escola, a família e a sociedade deveriam aproximar-se com o objetivo de garantir uma educação que permitisse ao indivíduo saber ler e interpretar melhor, visto que indivíduos mais informados geram sociedades onde as democracias serão mais eficientes, com líderes mais capazes de enfrentar grandes desafios. É necessária uma visão mais educada sobre o mundo que nos rodeia, escrutinando melhor a imprensa, a política ou mesmo a televisão, diminuindo, assim, as assimetrias culturais. Neste cenário de pandemia, celebridades e “gajos” do Facebook juntaram as vozes em uníssono num panteísmo fantasioso, onde o Universo, qual tia anafada, nos estava a apertar as bochechas por não querermos comer a sopa, onde a Covid… o Vírus do Amor e dos chineses gerarará uma nova Terra pós-apocalíptica plena de felicidade, onde cães, gatos e periquitos respiram ar mais puro e bebem água mais limpa, enquanto deslizam em escorregas de arco-íris e de algodão doce.

Diabolizamos muitas vezes a nossa própria espécie e esquecemos-nos de que os nossos animais de companhia são fruto da bondade humana, sendo que muitos deles não sobreviveriam num ambiente natural. É óbvio que temos de melhorar, proteger a Biosfera que nos protege, não estamos acima da restante vida, somos mais um dos seus elos com a responsabilidade acrescida que a consciência traz. Tal como as restantes espécies, estamos em competição: já não somos o repasto dos grandes predadores, mas somos repetidamente ultrapassados por aqueles que não conseguimos ver. A vida não se rege por leis morais, mas pela capacidade que cada espécie tem de criar uma nova geração, sendo a nossa arma o conhecimento e a capacidade de o transmitir e melhorar para a geração seguinte e é aqui que poderá residir a nossa única hipótese. Nós não temos de salvar a Terra, temos de nos salvar a nós. A Terra não é viva, nem consciente, à nossa escala temporal é indestrutível. No fundo, orbita indiferente ao destino de biliões de macacos pelados.

Temos de ser aguerridos com o conhecimento a uma escala global, perder a indolência com o que parece estar longe. Não pomos a mesma emoção na leitura sobre a poluição num rio próximo, ou sobre um cataclismo num local distante. O mesmo se verifica com a valorização da Vida. Esta não deveria depender da geografia ou do credo: ficamos chocados com a morte de uma criança no nosso bairro ou país, mas, quando é numa terra distante, pousamos o jornal enquanto sorvemos distraidamente o último gole de café e, de olhar absorto no vazio, pensamos no restaurante em que vamos jantar…