Vemo-la sempre com um sorriso ou uma gargalhada pronta. É fácil ser positiva todos os dias?
Para mim, é! Por acaso sou mesmo naturalmente positiva e às vezes as pessoas que estão à minha volta até acham que é excessivo: “Marine, deixa-nos ficar aqui a deprimir um bocadinho que também faz parte”. Mas é-me mesmo natural ver as coisas pelo lado B e, confesso, tenho muita dificuldade em lidar com pessoas que são negativas.
Quando é que deixa de ter vontade de rir?
Todos os dias há alguma coisa que me faz rir (vivo com o Tiago, por isso é fácil) mas nem tudo me dá vontade de rir. Fico doente com a maldade alheia, com as pessoas que são indiferentes aos outros, com a falta de empatia. Quando as pessoas são bestinhas umas para as outras e tiram prazer disso, fico verdadeiramente magoada.
O cancro é um tema difícil. Nem todos reagem da mesma maneira e haverá quem não ache graça às suas “graças”. O que o humor pode fazer por estas pessoas?
O que tento explicar às pessoas que chegam pela primeira vez ao ‘Cancro com Humor’ é que não conto anedotas nem faço piadolas. O que faço é partilhar a minha história com um sorriso na cara, conto episódios caricatos, dou uma nova roupagem ao drama, porque todo o drama pode ser cómico se o conseguirmos desconstruir. Do meu lado tenho o facto de não falar das dores de ninguém – falo das minhas – e, dessa forma, é menos constrangedor porque brincar comigo mesma, posso sempre. Além disso, o que defendo e explico nas minhas palestras – onde não há só humor, porque vários sentimentos e emoções cabem nas minhas palavras – é que o humor é o maior ato de amor. As pessoas perguntam “ – como pode falar de humor no cancro?” e eu respondo com outra pergunta “- como pode negar o humor, a alegria, a quem está doente?”. Quando estamos enfiados na cama de um hospital, há alguém que queira receber uma visita negativa, revoltada, com mau astral? Não estamos todos desesperadamente necessitados que nos aconcheguem a alma?
É mais fácil falar de cancro com jovens ou com adultos?
Sempre adorei o público adulto e sempre preferi falar, por questões óbvias, para os doentes. Mas desde que cocriei com o Tiago o projeto “Se Podes Sonhar, Podes Concretizar”, percorremos o país com as nossas palestras motivacionais onde falamos para jovens do 5º ao 12º ano sobre vários temas como bullying, preconceito, amor-próprio e também superação no cancro e não só, e apercebi-me que adoro falar para os mais novos. Ter a atenção durante uma hora de um adolescente é das maiores recompensas do mundo. Adoro a forma como captam, ouvem, como se expressam e emocionam sem filtros. Gosto de todas as plateias, todos os públicos mas tenho adorado explorar a comunicação para o público juvenil.
Que reações a surpreenderam desde que aborda o tema num palco?
Tenho tantas. Uma vez uma jornalista (não vou dizer nomes), depois de uma entrevista em que eu até estava a sentir que não estávamos em sintonia e que a senhora até estava incomodada comigo e com aquela conversa, pegou-me nas mãos e disse-me: “vivi o cancro da minha mãe como o meu maior pesadelo. Chorei todos os dias, zanguei-me todos os dias. Não havia outra forma para mim. Nunca concebi o humor, isso era uma afronta à minha dor. Depois de a ouvir, só tenho uma coisa para lhe dizer – tenho tanta pena de não a ter conhecido antes de a minha mãe falecer. Teria sido tudo diferente”. Esta esmagou-me, mas, felizmente, tenho tido ao longo dos anos experiências absolutamente arrebatadoras – doentes que levam os meus livros para a quimioterapia ou um médico que me enviou um email a agradecer por o ter relembrado o motivo pelo qual escolheu a sua profissão. Sou muito abençoada no feedback e carinho que recebo.
Nunca foi mal interpretada?
Essa é a história da minha vida! Mas lido muito bem com isso. Antigamente não, até suava das mãos a tentar explicar, a argumentar, a justificar, agora não. Não consegui fazer-me entender, tudo bem. Ficamos assim. Estou a ficar velha.
Já encontrou pessoas a falar do cancro com o mesmo sentido de humor?
Sim, claro. Por isso é que o projeto tem tanto tempo, porque existe muita gente que se identifica, que pensa da mesma forma que eu. O humor vive em muita gente – muitas vezes dizem-me: “ainda bem que pensas como eu, pensava que era a única insana!”.
Quais são para si os maiores mitos que existem sobre o cancro?
“Uma vez com cancro, para sempre com cancro”. Odeio ler ou ouvir isso. Não, não é verdade. Eu estou em remissão, sem qualquer vestígio de doença e considero-me saudável independentemente de ter tido cancro. Acho que o maior preconceito em relação ao cancro é que é uma doença obrigatoriamente fatal. As pessoas têm muito medo desta doença porque normalmente relacionam-na com uma sentença de morte. E o número de sobreviventes é enorme.
Para mim, o humor é a chave essencial do processo. Sem alegria, não há esperança, sem esperança não há vida. Quando rimos, quando brincamos, relativizamos, diminuímos o problema, ganhamos mais força, mais vontade de viver. Eu não conheço pessoas zangadas bem resolvidas, isso não existe certo? Essa carga negativa torna tudo tão pior”
Qual foi a maior lição que o cancro lhe ensinou?
Que a vida é instável para todos nós. Que não vale a pena vivermos com a pretensão que a saúde está aqui para sempre, porque não está e que a única coisa que podemos fazer é viver os nossos dias com o maior amor possível, de alma aberta. Que as coisas têm de ser vividas com presença, temos de saber estar no momento, ali, com os nossos, sem adiar. Não adio nada. Faço tudo hoje.
Abraçou o projeto “Se podes sonhar, podes concretizar” com o seu namorado, Tiago Castro. Que lugar ocupa no “Cancro com Humor”?
Eu e o Tiago temos este projeto ao qual nos temos dedicado a 100%, mas mantemos os nossos outros projetos pessoais de forma distinta: o Tiago com a representação, eu com a escrita, o Cancro com Humor e ainda a gravação recente que fiz pela primeira vez de uma série cómica. Contudo, não dá (nem quero) para separar totalmente o “Cancro com Humor” do “Se Podes Sonhar Podes Concretizar” porque em ambos falo da minha história enquanto sobrevivente oncológica. A diferença é que o faço de forma completamente diferente, o discurso, o humor e as histórias são adaptadas às idades. E, claro, partilho o palco com o Tiago, o que é maravilhoso para mim porque divido a pressão pelos dois.
Olhando para os últimos anos, desde que lançou o seu blogue, era este o caminho com que tinha sonhado?
Fiz muito mais do que pensei. Sempre tive muita dificuldade em projetar o futuro, por isso, tudo o que surgiu foi uma bênção, uma sorte na minha vida. Sempre acreditei que este meu projeto faria sucesso para muitas pessoas e não me enganei – enquanto existir alguém que precisa que o cancro seja um bocadinho menos assustador, lá estarei a falar de cancro sem tabus, de sorriso na cara.
O que é que mais a preocupa?
A saúde, sempre. A minha e a dos meus. Tento não “panicar” e exagerar a qualquer sinal mas serei sempre um bocadinho paranóica. Quero tanto viver que tremo das perninhas quando isso é posto em causa: delírios eternos de uma ex-carequinha.
Entrevista publicada em março de 2019 na revista da Saúde 2019, no âmbito de um dossiê dedicado às Doenças Oncológicas, e atualizado esta quinta-feira com informação relativa ao lançamento do “Manual para descomplicar o cancro”