A mãe da criança morta em Peniche alegadamente pelo pai e pela madrasta disse no Tribunal de Leiria que a filha mostrava alegria sempre que estava com o progenitor e nunca referiu qualquer agressão.
“Quando passou a ir todos os fins de semana a casa do pai vinha contente. Dizia que era o pai e que agora tinha duas mães. Dizia que a Márcia [madrasta] não fazia distinção entre ela e os irmãos. A Valentina nunca se queixou de qualquer comportamento da Márcia ou do pai”, relatou Sónia Fonseca.
Durante o confinamento devido à pandemia da Covid-19, em março, a Valentina passou a residir na casa do pai.
“A ideia foi minha. Eu estava a trabalhar e em contacto com pessoas também não era saudável para a minha filha andar com ela para trás e para a frente”, disse.
Questionada se falava com a filha diretamente, respondeu que não, porque “Valentina não gostava de falar ao telefone”.
“Mandava mensagens à Márcia todas as semanas, às vezes, duas a três vezes por semana”, relatou, sublinhando que no Dia da Mãe, a arguida lhe ligou para falar com a Valentina e foi a última vez que ouviu a voz da filha. “Estava muito alegre e feliz. As últimas palavras foram: ‘está bem mãe, és uma chata, gosto muito de ti.”
A mãe garantiu também que nunca ninguém lhe referiu suspeitas de abuso sexual ou de contactos sexuais.
O Tribunal de Leiria começou esta quarta-feira, dia 17, a julgar o pai e a madrasta acusados de matar Valentina, nove anos, em maio de 2020, em Peniche, e apresentaram versões contraditórias dos factos que constam na acusação.
Os arguidos estão acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria.
Segundo o despacho de acusação, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica.
De acordo com a acusação, no dia 1 de maio, o progenitor, de 33 anos, natural de Caldas das Rainha, confrontou a filha, Valentina, com a “circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola”.
Na presença da companheira, de 39 anos e natural de Peniche, ameaçou Valentina com uma colher de pau, que depois terá usado para lhe bater.
Já inanimada, a criança permaneceu deitada no sofá, sem que os arguidos pedissem socorro, adianta o Ministério Público (MP), explicando que o filho mais velho da arguida apercebeu-se da situação, mas foi mandado para o quarto.
O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d’El Rei (concelho de Peniche), e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o “falso desaparecimento” da criança.
Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina “a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma”, não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.