Logo que nascem, os bebés começam a produzir sons com o aparelho fonador. No texto da edição em papel tentei apresentar uma explicação sumária da grande probabilidade da primeira palavra do bebé ser “mamã” ou “papá”. Neste texto online vou tentar chamar a atenção para os sons consonânticos que o bebé produz durante a lalação. Uma análise das preferências que o bebé mostra por diferentes pontos de articulação ao longo do trato vocal quando experimenta produzir diferentes sons revela aspetos interessantes que se relacionam com o desenvolvimento anatómico, fisiológico e cognitivo do bebé.
Choro é tipicamente o primeiro som que ocorre espontaneamente ou provocado. Do ponto de vista fonético, choro é uma longa vogal aberta que é produzida instintivamente e sem controle fino das cordas vocais, mas quando o bebé está suficiente calmo a produção de sons com o aparelho fonador é mais controlada e interessante. Todos os sons que se usam na comunicação falada em línguas naturais são sons que se produzem com o aparelho fonador e por isso todos os sons que o bebé produz durante os primeiros meses de vida são, em princípio, sons da fala que podem ser usados em línguas naturais. É certo que as línguas naturais só usam um subgrupo relativamente limitado do conjunto de sons que é possível produzir com o aparelho fonador, mas isso é um aspeto que iremos abordar numa próxima ocasião. Por agora, o importante é constatar que qualquer dos sons que o bebé produz com o seu aparelho fonador durante os primeiros meses de vida é um som que poderia ser usado na comunicação falada desde que o bebé desenvolva suficiente controle articulatório para produzir intencionalmente esse som. E sendo assim é interessante analisar quais são os sons que o bebé articula durante os primeiros meses de vida. A figura seguinte mostra uma análise típica dos sons da fala (não palavras) produzidos espontaneamente por um bebé sueco durante os primeiros 20 meses de vida. O material vem dos meus colegas na Universidade de Estocolmo, que estudaram as preferências por diferentes sons da fala num grupo de bebés. Em detalhe, as preferências dos bebés suecos estudados são ligeiramente diferentes. Os bebés têm preferências pessoais por certas articulações, mas o desenvolvimento em geral durante os primeiros 8 a 10 meses de vida é semelhante, assim como seria semelhante o desenvolvimento de um bebé sueco ou português.
O eixo vertical da figura mostra (com as minhas desculpas por não ter uma versão em português) a percentagem de consoantes que se ouviu o bebé produzir durante a lalação com idades diferentes (meses, no eixo horizontal) e as diferentes curvas indicam as percentagens de sons articulados ao longo do aparelho fonador, desde guturais/faringais (glotal), velares/uvulares, dentais/alveolares e até aos sons bilabiais (produzidos fechando os lábios).
Com vista a uma discussão através do site com perguntas e respostas (Falar é fácil: Phonetics questions and answers – Fotostories (vermelho.se)) eu gostaria de deixar aqui o desafio de tentar explicar o desenvolvimento que mostram as curvas que indicam as preferências pelos sons guturais, pelos sons dentais e pelos sons bilabiais:
- Como se explica que a preferência por sons guturais seja tão grande nos primeiros meses e decresça depois rapidamente durante os primeiros 10 meses?
- Qual será a razão para a preferência súbita por dentais/alveolares [t, d] volta dos 8 a 12 meses?
- Porque será que a preferência por bilabiais [p, b, m] vai aumentando sucessivamente ao longo dos primeiros 20 meses?
Fico então a aguardar que estas perguntas despertem curiosidade e interação que nos ajudem mutuamente a encontrar respostas coerentes. Como de costume, as respostas a estas perguntas geram uma nova série de questões que voltarei a abordar com mais material e explicações.
Até breve!