Do desafio da integração numa nova cidade surgiu o “Speak”, um projeto para pessoas migrantes ou refugiadas que, através da aprendizagem de outras línguas, as retira de uma situação de isolamento para criarem uma rede de suporte informal.
O “Speak” – que nasceu em Leiria, em 2014, e está hoje presente em 12 cidades de Portugal e em mais 11 países -, surgiu quando, após “várias viagens e experiências a nível internacional”, um grupo de amigos percebeu “o desafio que é integrar-se numa nova cidade”, quando “não se fala a língua” e não se tem uma “rede informal de amigos”, conta à Lusa uma das cofundadoras e responsável de marketing do projeto, Mariana Brilhante.
Desafio, acrescenta, “mais premente” para quem tem de sair do seu país por “razões forçadas”.
Observando que, em ambientes multiculturais, as pessoas usam a “curiosidade” pelo outro como estratégia para ‘quebrar o gelo’ – como perguntar como se diz “olá” ou “obrigada” na sua língua – Mariana Brilhante aponta que surgiu daí a ideia do “Speak”: “Ligar pessoas – locais, migrantes ou refugiadas – através de experiências de intercâmbio de línguas e culturas”.
Hugo Menino Aguiar, também cofundador, sublinha à Lusa que o projeto procura garantir ao recém-chegado a criação de uma “rede de suporte informal efetiva na cidade onde está a viver”.
“Sabemos que a partir do momento em que eu, como pessoa migrante ou refugiada, tenha um amigo ou uma relação deste tipo na cidade onde estou, saio de um espaço onde estou em risco ou em situação de isolamento social para um espaço onde esse risco já não existe”, justifica.
Desse modo, a pessoa migrante ou refugiada terá alguém a quem perguntar, por exemplo, onde pode comprar comida de qualidade e barata, como pode aceder ao serviço de saúde ou ter ajuda para a tradução de um documento.
O cofundador do “Speak” descreve que são abertos “grupos de línguas”, nos quais as pessoas se inscrevem “ou para aprender ou para ajudar outros a aprender” através de “jogos e dinâmicas”.
O projeto começou em Portugal, onde está hoje presente em 12 cidades, e já existe em mais 11 países: Alemanha, Bangladesh, Bélgica, Espanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Nigéria, Países Baixos e Reino Unido.
“Teoricamente, é mais fácil replicar [o “Speak”] na Europa por causa de alguma burocracia [métodos de pagamento, moeda], mas não é um esforço focado na Europa. É possível que uma organização ou pessoa leve o ‘Speak’ para uma cidade em qualquer parte do mundo”.
Hugo Menino Aguiar
Com o início da pandemia de covid-19, em março de 2020, o projeto, que “era 100% ‘offline’”, foi obrigado a passar ao ‘online’.
Notando que as pessoas de grupos vulneráveis estavam a ser atingidas “de forma ainda mais intensa” pela pandemia, Hugo Menino Aguiar explica que, a partir dessa altura, tentaram “criar toda a metodologia outra vez, do zero, mas para o ‘online’”.
“Quando tivemos de fazer a metodologia toda, mas com o mesmo objetivo, para grupos mais pequenos e ‘online’, […] permitiu que outras pessoas que precisassem do ‘Speak’ usassem o ‘Speak’”, afirma.
Isso “foi incrível”, diz, porque nunca houve tantas pessoas a usar o projeto, nem tantas que precisavam tanto dele.
“Houve várias organizações que trabalham com pessoas refugiadas e que tinham as pessoas nos seus centros, em várias partes do mundo, […] que passaram a usar o ‘Speak’”, conta, apontando como exemplo refugiados “da Síria, Eritreia ou Iraque”.
Mas, para o projeto funcionar, “a comunidade tem de estar equilibrada”, pelo que há pessoas de todo o mundo, de diferentes contextos e com diferentes experiências.
A partir de setembro de 2020, o projeto passou para um modelo híbrido, que vai ser mantido também com a ajuda de aplicações digitais lançadas este ano.
Além do “modelo de negócio” em que os inscritos podem pagar “29 euros”, a iniciativa é apoiada pelo Fundo Bem Comum, pelo instrumento “Parcerias para o Impacto”, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu através do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE) – parte da Estratégia Portugal 2020 – e por várias fundações.
Em Portugal, por exemplo, já foi apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação EDP, mas também por empresas privadas, como a Google, que atualmente ajuda no desenvolvimento de tecnologia.
Este financiamento serve também para “investigação e desenvolvimento e capacitação das pessoas que estão a replicar o ‘Speak’”, acrescenta, ressalvando que cada cidade é independente no que diz respeito à procura e acesso a instrumentos financeiros locais.
O projeto trabalha ainda junto de algumas empresas, prestando apoio na implementação de boas práticas de diversidade e inclusão.
O Speak foi um dos 20 projetos escolhidos pela delegação portuguesa dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu para serem apresentados durante a Cimeira Social, que decorreu em maio, no Porto, no âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia(UE).