Uma ilha de relva flutuante, cadeiras com 2,5 metros, volei contestatário, instalações “assombradas” e placas de licenciamento surreais. O festival A Porta tem concertos, conversas, filmes e jogos mas também um original conjunto de intervenções plásticas na Villa Portela, criadas ao longo da última semana a partir dos temores e amores que ela inspira.
O festival arranca amanhã, mas nos últimos meses desafiou os leirienses a darem ideias para o espaço que acolhe A Porta. Cinco residências artísticas deram-lhes forma (e conteúdo), criando a partir da amálgama, da síntese e até da sublimação dessas dezenas de sugestões (e algumas excitações) um percurso provocatório, irónico e divertido.
No início da semana encontrámos um dos convidados, o austríaco Patrick Hubmamn, entretido a construir uma cadeira com 2,5 metros. “Quero convidar as pessoas a olhar para este jardim de vários pontos de vista e também de várias alturas”.
Lá de cima, tem esperança que se perceba o quanto “este jardim é especial”, pela sua geometria e variedade de plantas. “Primeiro foi desenhado, depois abandonado. Essa mistura entre plantação e selva interessa-me e espero que este mobiliário ajude as pessoas a sentar-se e a olhar para isso”.
Usando costaneira de pinho, um desperdício com pouca utilidade, Patrick criou várias cadeiras: uma ao nível do chão, outra de 1,80 metros e a tal que parece uma vigia de praia, com 2,5 metros. “Vou decidir de se faço outra mais alta ainda; depende das normas de segurança [risos]”.
Elas vão estar espalhadas pela Villa Portela e a intenção é que o público se sente, olhe para o espaço e reflita. “É uma ferramenta para refletir, não é uma solução”, sublinha, ele que trabalha em design e carpintaria e que nos seus trabalhos gosta, sobretudo, de ver como as pessoas interagem com os objetos “e como estes podem podem estimular comportamentos na cidade”.
A grega Agapi Dimitriadou é um dos quatro elementos do Frame Colectivo que revoluciona atualmente o lago da Villa Portela. As sugestões que a equipa que integra duas gregas, uma equatoriana e uma portuguesa leu falavam muito de “estar” no lago, originalmente criado para aproveitar águas da chuva.
Por isso elas estão a criar um acesso confortável e uma ilha, para “as pessoas poderem entrar e ficar num relvado flutuante, com 40 metros quadrados”, rodeada de água. “Sim, vão ter de molhar os pés”, diz Agapi, divertida. “Mas não é uma piscina. É um espaço onde podem estar de maneira muito diferente”.
Maravilhadas com a beleza do espaço, criaram também esculturas inspiradas em plantas que normalmente habitam lagos. Com esta proposta, o coletivo espera cumprir, também em Leiria, a missão a que habitualmente se propõe: “Implementar projetos coletivos, questionar as micropolíticas urbanas de um lugar e promover a participação”.
Desafiante também é a rede de voleibol criada pelo coletivo Til. É feita da mesma rede da vedação que divide a Villa Portela, agora pública, e a Quinta Portela, um prado que tem um denso plano de urbanização privado anunciado. O objetivo é, também aqui, questionar o status quo.
“Centra-se no quão incómoda é a questão da presença desta vedação”, diz Guilherme Rodrigues, apontando para a cerca de arame. A rede desafia o público a jogar voleibol, com claro risco da bola passar para o lado privado e… ficar sem ela.
“Vai ser muito complicado ir lá buscar. Se fosse um espaço aberto para a cidade teria mais sentido”, oferece, como conclusão, o elemento do Til.
Em paralelo, o coletivo está a construir também uma pequena casa que explora a ligação à cidade, “uma espécie de observatório, virado para o Leroy Merlin”, e não para o Castelo, “como tudo em Leiria”. Não usam nem parafusos nem pregos, o que se revela “um desafio gigante”. Mas a intenção é que possa ganhar vida depois do festival, onde e quando for necessário.
Inspirado em quem imagina a Villa assombrada, Tenório constrói uma instalação com som e movimento num espaço mais afastado, onde dispôs troncos caídos para as pessoas se sentarem.
“A ideia é pensar que criaturas seriam essas e que sons emitiam”, conta o artista de Pisões, um lugar do concelho de Alcobaça recheado de gente criativa e diligente. Em Leiria, ele constrói para a Porta um conjunto de máquinas com recurso a madeira, materiais reciclados e pintura. “Ainda estou em processo de descoberta para ver como tudo funciona”, diz o artista, que recorre a garrafas do refrigerante “Fruto Real”, a uma peça de caldeira, correntes e outra sucata. Tudo acionado a pedais, “por causa do Covid”.
Também a criação de ±maismenos±, o alter ego artístico de Miguel Januário, promete dar que falar: ele pegou nas ideias “mais inusitadas” apresentadas para a Villa Portela e colocou-as em placas de licenciamento de obras.
“É uma crítica também à inércia e ao excesso de construção que temos vivido de norte a sul do país”, para mais num local que, apesar de ter sido anunciado como futuro centro de artes, “não tem solução à vista”.
O artista quer que o público “ande à procura das placas”, que serão 30, e que vão incluir propostas como a instalação da sede do FBI na Villa Portela. “No fim podem votar, numa urna, para aumentar a carga surreal”, antecipa Miguel. “É um trabalho um bocadinho subversivo… E em frente à Câmara Municipal ainda é mais divertido [risos]”.
Bilhetes voaram para um festival com segurança reforçada
Com a pandemia não se brinca e, por isso, a organização do festival A Porta empenhou parte considerável do seu esforço para esta edição na definição de regras de circulação e etiqueta de higiene no recinto. Quem entrar na Villa Portela vai encontrar percursos definidos e várias limitações que procuram evitar aglomerações e diminuir riscos de transmissão.
Tantos cuidados podem parecer contrários ao ADN descontraído do festival, mas convocam o caráter sempre responsável e preocupado com a comunidade que A Porta revelou ao longo das cinco edições anteriores.
Em contexto bem diferente das anteriores, a sexta existência do festival tem pela primeira vez bilheteira, uma imposição da pandemia, já que as entradas na Villa Portela são bastante condicionadas também em número. Sem surpresa, os ingressos para as sessões do primeiro fim de semana estão esgotadas. Para algumas sessões, os bilhetes disponíveis “voaram” em menos de uma hora após de terem sido abertas as inscrições, na segunda-feira.
Neste primeiro fim de semana de 2, 3 e 4 de julho, o festival arranca esta sexta-feira com a inauguração da instalação “Unificador de comunidades”, do ColetivU, às 17 horas, no Centro de Diálogo Intercultural de Leiria – Igreja da Misericórdias. Às 19h30, na Villa Portela, Nuno Rancho apresenta “I guess we’ll play it live afterall”.
Sábado, as portas da Villa Portela abrem às 15 horas com Jogos do Hélder e dj set, seguindo-se concerto de Braima Galissá (17 horas), conversa sobre “Cultura e comunidade” (18 horas), música dos Sensible Soccers (19h) e os filmes “Casa de Vidro”, de Filipe Martins (21h15), e “Os esquecidos”, de Pedro Neves (21h30).
A tarde de domingo desperta A Porta com novo dj set às 15 horas e meia hora depois há “Brincar de rua” para os mais novos na Villa Portela. A conversa “Leiria vista pelos mais novos” (16 horas) e música de Samuel Martins Coelho (17 horas) completam o primeiro fim de semana do festival.
A Porta estende-se pelos fins de semana de 9, 10 e 11 e 16, 17 e 18 de julho, com uma programação que pode ser consultada aqui, que inclui momentos na Casa-Museu João Soares (Cortes), na livraria Arquivo e na Igreja da Misericórdia.