É aqui ao lado, paredes-meias com o distrito, pensado a partir de Minde, espraiando-se até ao Cartaxo, e traz muito mundo e profunda reflexão. Desde logo sobre o que é ser um festival. O Festival Materiais Diversos (FMD) regressa para a 11ª edição entre 5 e 17 de outubro, experimentando um novo modelo em que a prioridade é desacelerar para chegar mais próximo de artistas e do público.
Num primeiro momento, a programação centra-se no Cartaxo, caminhando – literalmente, também – para norte, rumo a Alcanena e a Minde – já território da Rede Cultura 2027 – onde estreita ligações com a vizinha Mira de Aire e com o distrito de Leiria.
“Estamos claramente empenhados em experimentar um novo formato de festival”, disse esta semana, na apresentação, a diretora Elisabete Paiva, lembrando a decisão, em 2018, de tornar o FMD bienal e com programação regular, “mas não como momento único”. Ao longo do ano são tecidas relações de proximidade com públicos, parceiros e contextos – caracterizados por “um intensivo despovoamento” – procurando reforçar a “proximidade que queríamos ter com os artistas”, envolvendo-os com as comunidades em residências, formações e projetos com escolas.
Dessa forma, explica Elisabete Paiva, o FMD tenta levar a sua programação mais experimental e ligada à arte contemporânea “ao dito cidadão comum”, pessoas que “têm questões, têm desejos, têm perfis que nos interessava escutar de forma mais fina e aproximar”.
É um caminho diferente da maioria dos festivais, mas não é uma reação à pandemia, sublinha a diretora, embora o que vivemos “veio reforçar – de forma muito violenta – a nossa leitura e veio reforçar a necessidade de enveredar por um caminho em que o festival tomasse outra forma”, trabalhando outras escalas e empenhando-se em acompanhar artistas e públicos com outra qualidade.
“Deixámos de ir pela ‘auto-estrada’, agora vamos por ‘estradas nacionais’ e algumas até ‘municipais'”, ilustra. “Acreditamos que esse é o lugar do nosso trabalho, sem prescindir da dimensão internacional e da dimensão experimental que o festival sempre teve e que o caracteriza”.
Inovadora é também a desierarquização da programação, que foge ao destaque dado a espetáculos e estreias, colocando outras atividades num segundo plano. “Há inúmeros projetos em estreia, mas existem dois eixos centrais ao festival que anulam essa hierarquia tradicional entre o programa principal e as atividades paralelas: o ciclo de conversas contínuo no Ponto de Encontro e uma caminhada que, simbolicamente, se deslocará de sul para norte, ligando os dois momentos do festival, essencialmente marcados pelos dois fins de semana: o primeiro no Cartaxo e o segundo em Alcanena”. Assim, por exemplo, as conversas têm tanto protagonismo como as produções de palco, as performances ou o concerto.
Sem tema definido, o FMD constrói-se a partir da leitura dos projetos dos artistas convidados, “portanto, uma leitura do presente”, realça Elisabete Paiva, que identifica três chaves que servem de “chapéu” para enquadrar a programação: repara, cuida e partilha.
“Não pretendemos dizer que é por aqui o caminho, ou que todos os festivais devem desacelerar. Este é o nosso cmainho. O que nos parece mais importante é haver pluralidade e distinção nas nossas programações e nas nossas formas de trazer à mesa pública o que possa ser a experiência de contacto com a criação artística, com a contemporaneidade e com a complexidade que é o tempo presente em que vivemos, cada vez mais radicalizado, cada vez mais fragmentado. A nossa posição é questionar e experimentar”, conclui Elisabete Paiva.
Programa com 26 atividades
A conversa “Que paisagens pode um festival criar?” abre, dia 5 de outubro, no Cartaxo, a 11ª edição do FMD, que encerra, dia 17, em Minde (Alcanena), com um concerto de Surma.
Ao todo são 26 atividades, 12 das quais conversas e uma caminhada “imersiva” com pessoas das áreas da criação, da programação e da produção, num projeto da artista chilena Carolina Cifras, investigadora, criadora e docente, com a colaboração de Ana Trincão.
O festival envolve meia centena de artistas e traz ainda outro projeto internacional, de Marcelo Evelin, convidado a criar um objeto artístico de raiz, “Filme”, em colaboração com Fernanda Silva e o realizador Danilo Carvalho, “a partir da figura emblemática da onça-pintada: um mamífero em extinção que vive nas matas brasileiras, animal selvagem de força e beleza exuberantes, um mito que incorpora os xamãs nos seus rituais de cura, central nas cosmologias Ameríndias”.
Da criação, a primeira de um projeto que tem por título provisório “Povo da Mata”, surgirá a conversa, a única com os criadores a participarem à distância a partir do Piauí (Brasil), “Que povo é esse?”, a acontecer dia 5 de outubro no “ponto de encontro” que funcionará no Centro Cultural do Cartaxo (CCC), disse a diretora artística do FMD.
Alina Ruiz Folini, que “investiga a partir da prática da escuta, com o desejo de desierarquizar a relação entre ver, dizer e escutar”, propõe, com “Ruído Rosa”, uma “experiência corporal de tensão entre polos não opostos, onde os sentidos não são binários, para observar as várias formas de colaboração, dissociação e ressonância entre oralidade, som e movimento”.
Para além de “Filme” e de “Ruído Rosa”, que será apresentado dia 9 de outubro no CCC, o festival apresenta mais três estreias e uma antestreia.
Esta acontecerá no dia 8 de outubro, na Sociedade Filarmónica Incrível Pontevelense (em Pontével, no concelho do Cartaxo), com o espetáculo “O Estado do Mundo (Quando Acordas)”, criação de Inês Barahona e Miguel Fragata, da companhia Formiga Atómica, o primeiro “de um díptico que se destina a pensar o estado natural, político, geográfico, social, histórico, económico e humano do mundo”.
“Palmira”, peça de teatro com música ao vivo, de Anabela Almeida e Sara Duarte, em que duas mulheres questionam o que é ser homem e ser mulher, terá a sua estreia, dia 8 de outubro, na Galeria José Tagarro, no Cartaxo.
O trabalho que o Teatro do Frio tem vindo a desenvolver com jovens que frequentam o Centro de Convívio do Cartaxo, na procura de “outras formas possíveis de habitar” o jardim central da cidade, deu origem a “Paraíso Bruto”, outra das estreias do FMD agendada para 5 a 10 de outubro, no Centro de Convívio.
“Subterrâneo”, instalação de Bruno Caracol a partir do conto “Fragment d’histoire future”, de Gabriel Tarde, aproveitando a espeleologia e bio-espeleologia da Serra d’Aire, pode ser vista dia 15 de outubro, na Fábrica de Cultura de Minde, estando agendadas para os dias seguintes visitas ao polje de Mira-Minde, com o movimento de transição Mira-Minde.
A parceria com este movimento proporcionará, dia 16, no “ponto de encontro” que funcionará no Espaço Jazz, em Minde, uma conversa sobre “o que é isso da transição?”.
Esta é uma das muitas conversas que se seguem à que marca a abertura do FMD, “Que paisagens pode um festival criar?”, a partir do livro lançado em 2019, nos 10 anos do FMD, “Paisagens Imprevistas – Outros lugares para as artes performativas”, de reflexão sobre eventos culturais fora dos grandes centros urbanos, com as participações de Tiago Bartolomeu Costa e Cátia Terrinca.
Na conversa “Na Prática: que escola é esta?”, a 8 de outubro, no CCC, sobre a Escola de Verão que a Materiais Diversos tem promovido com o Centro de Estudos de Teatro (CET) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, será lançado o website da escola e serão partilhadas reflexões sobre o projeto, com Elisabete Paiva, Rui Pina Coelho e Vânia Rovisco.
“Como comunicamos quando queremos falar de cultura?” é a pergunta lançada por um grupo de profissionais de comunicação cultural, numa sessão, a decorrer a 9 de outubro, no CCC, inspirada na ‘Long Table’ da artista Lois Weaver, “modelo que será alargado às várias sessões de conversa, procurando incentivar a participação sem hierarquias”, afirma uma nota da Materiais Diversos.
Em outros três debates – “Que futuros tenho eu aqui?”, “E depois do Paraíso?” e “Outra cidadania é possível?” -, os jovens são convidados a partilhar e refletir sobre “as inquietações, os medos, as vontades e os sonhos para um futuro melhor, as questões ecológicas e as responsabilidades da humanidade”.
O festival disponibilizará ainda, nos pontos de encontro, os ‘podcasts’ resultantes da rubrica “O Tempo das Cerejas”, espaço de reflexão criado em 2020 pela Materiais Diversos para artistas e pensadores partilharem opiniões.
O FMD encerra dia 17 de outubro com um “Piquenique Comunitário”, em Minde, com um convite a todos os que participam a levarem “algo para partilhar”, seguido do concerto de Surma, às 18h30, no Coreto de Minde.
Com Lusa