O antigo Presidente da República Jorge Sampaio morreu hoje aos 81 anos, disse à agência Lusa fonte da família.
O ex-chefe de Estado estava internado desde dia 27 de agosto no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, com dificuldades respiratórias.
Presidente entre 1996 e 2006, Jorge Sampaio visitou por diversas ocasiões a região. A Casa Museu João Soares, em Cortes (Leiria), a Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Politécnico de Leiria, ou a jazida com pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha, classificada como Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres Novas, foram alguns desses locais.
O Município de Leiria emitiu, esta manhã, pouco depois da notícia do falecimento ter sido tornada pública, uma nota de pesar, onde “lamenta profundamente a morte do antigo Presidente da República”.
“Jorge Sampaio foi um dos maiores políticos portugueses, tendo desempenhado os mais altos cargos no país, com um percurso de vida totalmente dedicado ao serviço público, um lutador pela liberdade, com um contributo de grande importância para a consolidação da nossa democracia. Portugal perde uma figura maior da nossa democracia, com um papel de enorme relevo na história do nosso País, um homem de convicções e de grande determinação na defesa dos valores e ideais em que acreditou sempre, como a liberdade, a democracia, a solidariedade, a justiça social”, pode ler-se na nota de pesar.
Carlos André, antigo governador civil de Leiria entre 1996 e 2002, teve uma relação institucional com Jorge Sampaio mas também pessoal. Ao REGIÃO DE LEIRIA diz que se perde “uma das referências da nossa democracia, nesta ainda curta existência e ele [Jorge Sampaio] é uma delas”.
“É com profundo pesar e tristeza que me sinto, como português. Jorge Sampaio era uma referência. E se por um lado sinto um enorme pesar, por outro, reajo com uma ponta de orgulho, por pertencer a um país que elegeu por duas vezes para Presidente da República um homem íntegro, vertical, como há poucos. Jorge Sampaio não era táctico, tomou sempre as decisões no momento certo. Era coerente, qualidade que mais admirei nele. Por isso estamos todos tristes, é um de nós que partiu”, afirma.
Também Isabel Damasceno, presidente da CCDR Centro, já se manifestou sobre o falecimento do antigo Presidente da República. Autarca em Leiria quando Jorge Sampaio foi eleito como chefe de Estado, considera que esta é uma “perda precoce”. “Era um homem que teria muito para dar. Uma pessoa intelectualmente superior, muito culto, com uma capacidade diplomática muito grande, que marcou a nossa democracia”, refere Isabel Damasceno.
“Lamento muito a perda. Ele conseguiu muito equilíbrios graças a essa serenidade e tranquilidade que colocava em tudo o que fazia. É uma perda para a democracia”, acrescenta.
Victor Faria, advogado leiriense, foi mandatário da candidatura de Jorge Sampaio à Presidência da República. “Acordar com a notícia da morte de um Amigo é especialmente doloroso . Sobretudo, quando esse amigo é o ser humano extraordinário que foi para nós uma matriz de comportamento, de afinação do ideário político, de exemplaridade cívica, da competência exigente e do trato fácil , dos consensos e também dos afeto”, disse o advogado ao REGIÃO DE LEIRIA.
“[Jorge Sampaio] Gostava particularmente de Leiria e sempre que estivemos juntos (a última das quais no dia em que completou 80 anos), era com entusiamo quase pueril que recordava com impressionante rigor, as campanhas às presidenciais no distrito, nas quais tive a honra de ser seu mandatário”, recorda.
“É com homens desta matriz que se consolidam os ideais democráticos, se reforçam , dentro e fora dos cenários do poder e numa amplitude global, os direitos humanos, a solidariedade, o tratamento igual do semelhante independentemente da sua geografia e condição, a responsabilidade social e humana. A forma de perpetuar a sua memória, os seus valores e os seus princípios, é honrar o valioso legado que nos deixou e não tenho dúvidas que a sua escola permanece”, reforça Victor Faria.
“Jorge Sampaio é o ausente de uma presença inabalável e indestrutível; o homem corajoso, firme e determinado; o homem que chora e que decide; o político solitário e solidário; o homem dos grandes valores da democracia; o Presidente de todos nós que nunca deixará de o ser”, conclui.
“Serei o Presidente de todos os portugueses. De todos, sem excepção.”
Jorge Sampaio foi Presidente da República aos 56, no auge de uma longa vida de intervenção política, que iniciou ainda estudante como um dos protagonistas da crise académica nos anos 60.
Era visto como um político discreto, paciente e conciliador, mas preferia descrever-se como um homem coerente e persistente, um “aluno atento da vida” que acredita no diálogo para “fazer pontes”.
Foi o que fez, por exemplo, em 1989, quando uniu pela primeira vez o PS ao PCP e a outras forças de esquerda para ganhar a Câmara Municipal de Lisboa.
Jorge Fernando Branco de Sampaio nasceu em Lisboa em 18 de setembro de 1939, filho de Arnaldo Sampaio, médico especialista em Saúde Pública e de Fernanda Bensaude Branco de Sampaio, professora particular de inglês.
Foi casado com Maria José Ritta, com quem teve dois filhos, Vera e André. Cresceu em Sintra, estudou piano e aprendeu inglês por influência da mãe, a quem deve o rigor da educação.
Fez os primeiros anos de escola em Sintra e na “Queen Elizabeth School” e os estudos secundários em Lisboa, nos liceus Pedro Nunes e depois no Passos Manuel, de que gostou mais pelo ambiente de menos rigidez e de mais liberdade, segundo afirmou numa entrevista.
Optou por Direito, preterindo História. No ativismo da vida académica, começou a revelar qualidades de liderança: foi eleito presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (1960) e secretário-geral da RIA (Reunião Inter-Associações Académicas) por duas vezes (em 1961 e 1962).
Foi um dos protagonistas da crise académica do princípio dos anos 60, que gerou um longo e generalizado movimento de contestação estudantil ao Estado Novo, que durou até ao 25 de Abril de 1974 e que abalou profundamente o regime.
Seguindo o conselho do pai, começou a trabalhar como advogado antes de se dedicar à política, com funções diretivas na Ordem dos Advogados e um papel relevante na defesa de presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa.
Como advogado, a partir de 1963, defendeu casos célebres, como a defesa dos réus do assalto ao Quartel de Beja, o caso da `Capela do Rato´, em que foram presas dezenas de pessoas que protestaram naquela igreja lisboeta contra a guerra colonial e foi no seu escritório que se fizeram os documentos de protesto contra o exílio de Mário Soares, histórico líder socialista e seu antecessor em Belém.
Em 1969, candidatou-se à Assembleia Nacional pela CDE (Comissão Democrática Eleitoral, pró-comunista), desligando-se da linha onde estava Mário Soares, representada pela CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática).
No dia 25 de abril de 1974, Jorge Sampaio foi acordado pelo telefonema de um amigo e saiu de casa para “recolher informações” no seu escritório de advogado, mas não ficou muito tempo.
“Como fui educado no cumprimento da lei, quando o MFA começou a pedir na rádio para as pessoas ficarem em casa, decidi respeitar esse apelo. Devo ter sido a única pessoa que regressou a casa”, contou.
Após o 25 de Abril foi um dos impulsionadores do Movimento de Esquerda Socialista [MES], com Eduardo Ferro Rodrigues, Nuno Teotónio Pereira, e José Manuel Galvão Teles, entre outros intelectuais, sindicalistas, católicos progressistas e académicos, de que se desvinculou logo em 1974.
Ainda em 1975, foi secretário de Estado da Cooperação Externa (IV Governo provisório), que abandonou em colisão com o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, alinhado com o PCP, e por preferir a linha do “Grupo dos Nove”, como ficou conhecido o setor mais moderado do Movimento das Forças Armadas.
Veio, a seguir, o movimento Intervenção Socialista, com políticos e intelectuais, que pretendia ser `o grilo da consciência´ do PS, fora das fileiras socialistas.
E foi Sampaio, à época naquele movimento, a lançar para a mesa de uma reunião preparatória do desfile comemorativo da Revolução dos Cravos, um `slogan´que veio a ficar para a História: “25 Abril, Sempre!”.
Sempre próximo do PS, só em fevereiro de 1978 formaliza a adesão ao Partido Socialista, assumindo logo de início perante o então primeiro-ministro, Mário Soares, a sua discordância quanto à aliança de governo PS/CDS.
No ano seguinte, foi eleito pela primeira vez deputado à Assembleia da República, tendo sido sucessivamente reeleito até 1991. Em 1979 entrou para a Comissão Nacional e Secretariado Nacional do PS.
Em 1987/88 preside ao grupo parlamentar aocialista, assumindo em 1986-87 a responsabilidade das Relações Internacionais.
Em Janeiro de 1989, sucede a Vítor Constâncio, que se tinha demitido do lugar de secretário-geral do partido.
Três anos depois, abandona a liderança dos socialistas na sequência da vitória de António Guterres no Congresso Nacional de 23 de Fevereiro de 1992.
O resultado das legislativas de Outubro de 1991, com a derrota do PS, tinha aumentado a contestação à liderança de Sampaio, com Guterres a assumir-se como alternativa.
O Presidente que lia “romances, poesia e ensaio”, como afirmou em 2001, confessou um dia que gostava de “demasiadas coisas” – todo o tipo de música, grandes caminhadas, futebol (era do Sporting) e urbanismo, fotografia e cinema, tendo Eça de Queiroz, Rodrigues Miguéis e William Shakespeare, James Joyce e Albert Camus como referências na literatura.
A sua candidatura presidencial foi apresentada em 1995, numa declaração de 15 minutos. Foi posteriormente apoiado pelo PS e foi eleito em 14 de Janeiro de 1996, à primeira volta.
Foi investido no cargo de Presidente da República no dia 9 de Março desse ano. Cumpriria um segundo mandato, até 2006. No seu discurso de posse para o primeiro mandato, emocionou-se por várias vezes e declarou: “Não há maiorias presidenciais. Serei o Presidente de todos os portugueses. De todos, sem excepção”.
Em 1996, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para corrigir um aneurisma, sendo o primeiro chefe do Estado a pedir ao Tribunal Constitucional o impedimento para o exercício do cargo.
O seu primeiro mandato em Belém foi visto como discreto e conciliador, marcado por constantes apelos à autoestima dos portugueses e fazendo do combate à “lamúria” um desígnio nacional. Demarcou-se do seu antecessor Mário Soares optando por uma intervenção menos mediática, falando em “magistratura de influência”.
Reeleito para um segundo mandato em janeiro de 2001, logo em dezembro foi confrontado com a demissão do então primeiro-ministro, António Guterres, após a derrota do PS nas autárquicas, que quis evitar “um pântano político”.
Três anos mais tarde, teve que resolver nova crise política após o primeiro-ministro eleito pelo PSD, Durão Barroso, abandonar o cargo para presidir à Comissão Europeia.
Sampaio deu posse ao sucessor designado, Pedro Santana Lopes, em julho de 2004, mas quatro meses depois, achando governo com uma imagem pública degradada, dissolve a Assembleia da República, abrindo caminho às eleições de fevereiro de 2005, que o socialista José Sócrates venceu com maioria absoluta.
Após o fim do mandato, e ainda em 2006, Jorge Sampaio foi o enviado especial da ONU na Luta contra a Tuberculose e, um ano depois, foi convidado para exercer o cargo de Alto Representante da ONU para o Diálogo das Civilizações, até 2013.
Nesse ano, promoveu uma iniciativa para ajudar jovens sírios a continuar os estudos apesar da guerra no seu país, através da criação da Plataforma Global para Estudantes Sírios, que atribui bolsas de estudo de emergência.
Em 2015 recebeu o Prémio Nelson Mandela, entregue pela ONU e, quase até ao fim da vida, foi membro das mesas de voto nas eleições.
Um dos seus últimos actos públicos foi, em agosto, quando os talibãs regressaram ao poder no Afeganistão, anunciar um reforço da plataforma de apoio aos estudantes sírios para dar bolsas de estudo a jovens afegãs.
Com Lusa