O julgamento sobre alegadas responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, no Tribunal Judicial de Leiria, vai ter, a partir de fevereiro, quatro sessões semanais, após o Conselho Superior da Magistratura (CSM) ter concedido exclusividade ao coletivo de juízes.
Num despacho a que a agência Lusa teve hoje acesso, lê-se que o CSM concedeu “exclusividade total de funções aos três juízes que integram o tribunal coletivo”, a partir de 01 de fevereiro e até 22 de junho de 2022, “com vista à conclusão do menor período de tempo possível da audiência de discussão e julgamento nos presentes autos, com o agendamento de quatro sessões de julgamento por semana”.
A deliberação do CSM foi criticada pelo advogado Magalhães e Silva, em mais uma sessão do julgamento, que decorre hoje no Tribunal Judicial de Leiria, que alertou que aquela “põe em causa o exercício, em condições minimamente normais, da advocacia”.
“Quatro sessões por semana representam, efetivamente, a impossibilidade de aceitar o que quer que seja em termos profissionais”, avisou Magalhães e Silva, advogado do ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves, um dos 11 arguidos em julgamento.
O causídico adiantou que, apesar da decisão do CSM, “quem manda neste tribunal” é a presidente do coletivo, Maria Clara Santos.
A juíza disse compreender os argumentos, mas salientou que “a gestão macro do serviço está arredada do poder efetivo do tribunal coletivo, do juiz-presidente”.
“O que eu propus – e o Conselho aceitou – foi quatro dias por semana [de julgamento], sendo certo que no Conselho havia até entendimento de que deveriam ser cinco dias”, adiantou, frisando que o objetivo “é concluir este julgamento no mais curto espaço de tempo”.
“É o que vamos tentar fazer, com a colaboração de todos e sem prejuízo do direito de defesa”, acrescentou.
Magalhães e Silva retorquiu que são 33 advogados “na situação de ‘full-time’ (…), o que não pode deixar de suscitar o mais vivo protesto”, criando uma “situação incomportável para os arguidos e para os defensores”.
A magistrada judicial reiterou que esta é “matéria que não está na competência deste tribunal coletivo, é uma instrução de serviço administrativo a que este tribunal está vinculado e vai cumprir”, frisando que “não há recursos humanos [juízes] que permitam fazer outa gestão”.
À Lusa, Filomena Girão, mandatária do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, afirmou que “estão comprometidas as condições da defesa para o patrocínio que este caso exige”.
A procuradora da República Ana Mexia está em exclusividade neste processo.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. O Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.
Ex-dirigente da Proteção Civil diz que houve “atraso na montagem do posto de comando”
O antigo diretor nacional de Auditoria e Fiscalização da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) Nuno Moreira disse hoje que houve “um atraso na montagem do posto de comando” operacional nos incêndios de Pedrógão Grande.
“Há um atraso na montagem do posto de comando. Anteriormente, já tinha havido um lapso por não se ter colocado o estado de alerta em amarelo”, afirmou Nuno Moreira, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje depôs no julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.
A testemunha foi instrutora do processo de inquérito 12/2017 da então designada Autoridade Nacional de Proteção Civil (hoje ANEPC), para apurar como foram cumpridas as normas do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro, a implementação e cumprimento do Sistema de Gestão de Operações, a articulação do posto de comando, do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Leiria e dos diferentes agentes de Proteção Civil envolvidos.
“Todas as circunstâncias são prejudicadas pelo atraso na instalação do posto de comando”, prosseguiu Nuno Moreira, considerando que “o atraso na montagem do posto de comando levou a que se pedisse informação meteorológica demasiado tarde”.
Sobre a receção do Arome (previsão meteorológica específica para o local), às 19:44 de dia 17 de junho, dia em que eclodiram os fogos, Nuno Moreira referiu que, “com certeza, foi pedido muito tarde”, adiantando não se ter apurado o motivo de tal suceder.
Questionada pela advogada Filomena Girão, mandatária do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, a testemunha explicou que “a previsão do Arome contemplava a mudança de vento para determinada hora”.
Filomena Girão insistiu que interessa saber se o Arome “vai ao ponto de conseguir antecipar mudanças de vento provocadas pelo próprio incêndio”, ao que Nuno Moreira respondeu que este é um “aspeto técnico que já” o transcende.
A advogada confrontou ainda a testemunha com o relatório que instruiu no qual se lê que o posto de comando “é também incipiente por falta de recursos técnicos e materiais”, com Nuno Moreira a responder afirmativamente, explicitando que apenas havia um computador, uma carta geográfica e onde “estavam apenas dois elementos”.
“O guarnecimento do posto de comando não dependia só do comandante das operações de socorro, também depende do despacho de meios do CDOS”, adiantou Nuno Moreira, acrescentando que “a verdadeira dimensão [dos incêndios] só foi conhecida dia 19 à noite”.
Filomena Girão, que elencou os nomes dos vários comandantes de operações de socorro entre o dia 17 e 19 de junho, perguntou, por diversas vezes, se nos incêndios de Pedrógão Grande foi “um homem ou foi o sistema que falhou”, com Nuno Moreira a apontar “uma falha de estratégia”.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.
O julgamento prossegue hoje à tarde com o depoimento de vários inspetores da Polícia Judiciária.