A poesia de José Saramago chega a palco na quinta-feira, no Funchal, Madeira, com “O globo de Saramago – 1993”, peça da companhia Leirena Teatro com estreia marcada para o Teatro Municipal Baltazar Dias.
Desenvolvido ao longo de um ano a partir de “O ano de 1993”, livro de poesia de José Saramago lançado em 1975, este será o segundo espetáculo criado pela companhia de teatro de Leiria dentro de uma enorme bolha de plástico, dispositivo criado em 2020 para permitir trabalhar durante a pandemia.
A partir de sete dos 30 episódios do livro de Saramago, o encenador Frédéric da Cruz Pires montou um monólogo que o próprio interpreta e em que há também música ao vivo tocada por Surma.
“É como se fossem três atos em que o globo é uma caverna, uma prisão, um edifício envidraçado, de seis andares, totalmente transparentes, para que as pessoas possam ver o que o preso está a fazer. Consoante os gostos, não faltam espetadores para as sessões de comer, defecar e masturbar – como vem no livro – neste sistema prisional que quer humilhar, humilhar, humilhar”, contou à agência Lusa o encenador e ator.
Frédéric da Cruz Pires antecipa “um espetáculo duro, de intervenção”, em que “cada episódio deixa o espetador a pensar” através “do estranhamento”. Porque “o que é dito é cru, duro, mas é Saramago”.
O texto “é ficção maravilhosa, em termos de obra de arte, mas é uma história negra”, sobre “humilhações, peste ou fé”, em que tudo começa quando um exército invade um país e os prisioneiros são tatuados com números.
“Os primeiros dez podem tratar mal as outras pessoas. Mas, a cada 24 horas, os números vão ser apagados e invertidos. E o que uns infligiram aos outros, vira-se contra eles e vão sofrer na pele muitas vezes mais”.
Em palco, o ator recorre ao globo de plástico como objeto cénico que habita, mas também que roda, abana ou se transforma em prédio.
“O que levou mais tempo foi tentar criar uma dramaturgia sem cortar nada dos episódios selecionados. Depois da dramaturgia construída, fui eu, o meu corpo, o globo, o texto e a Surma. E tentar colocar em diálogo os aspetos todos”, num contexto criativo que tem “texto, ação, música, desenho, voz, corpo e globo”, explicou o encenador.
Frédéric disse esperar, com recurso a estes elementos, “manter a comunicação, sustentar o pensamento, sustentar o jogo e ter o público nesta viagem. A estranheza faz com o público se mantenha connosco”.
Para o Leirena, esta nova produção “é um passo consciente mas arriscado”.
“Todos os espetáculos que criámos foram no sentido da evolução, de crescimento e de arriscar. Se não arriscar, não passamos do mesmo; sem arriscar, não descubro o meu processo de trabalho”, sublinha o responsável da companhia.
“O globo de Saramago – 1993” é uma coprodução do Leirena Teatro com a Leiria Cidade Criativa da Música da Unesco e a Fundação José Saramago.
No Funchal, a representação que acontece no âmbito do festival AMO-TEatro, marca o início da digressão nacional, que tem datas anunciadas para Leiria (duas vezes no dia 18 de junho e também no 10 de julho), Serpa (13 de julho), Lisboa (16 de julho), Covilhã (4 de outubro) e Beja (12 de novembro).