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SOS Ucrânia

Acolhimento em Leiria caminha a passos graduais com autonomia como meta

Um mês depois do início da guerra na Ucrânia, contam-se centenas de refugiados alojados no distrito. Inserção no mercado de trabalho, lugares nas escolas e soluções de alojamento são prioridades.

É na propriedade de Diamantino Azinheiro, nos Montijos, que funciona o centro de acolhimento temporário de Monte Redondo, que já acolhe 22 refugiados da Ucrânia Joaquim Dâmaso

Até fevereiro deste ano, a invasão da Ucrânia pela Rússia já tinha provocado a fuga de cerca de 2,69 milhões de ucranianos, resultando no maior êxodo de refugiados, desde a II Guerra Mundial. O valor, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), ultrapassa o número causado por todas as guerras na ex-Jugoslávia, durante a década de 90.

Passado um mês desde o início deste conflito armado, Portugal já recebeu 16.806 pedidos de proteção temporária, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Destes, 1.252 foram contabilizados na região de Leiria, colocando o distrito na quinta posição, com mais pedidos a nível nacional.

Segundo dados disponibilizados pela Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), terão chegado aos 10 municípios da Região de Leiria cerca de 800 cidadãos ucranianos em fuga da guerra, maioritariamente fixados nos municípios de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Porto de Mós e Batalha.

Paulo Batista Santos, secretário executivo da CIMRL, explica que Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande também já receberam várias famílias e estão a colaborar em campanhas de recolha.

Na primeira fase, a maioria dos cidadãos ucranianos encontrava-se sinalizado por familiares e amigos a residir no distrito. Atualmente, já começam a chegar pessoas sem qualquer ligação a Leiria, por vários meios além do “dito oficial” – as autarquias. São aliás, várias as famílias que por cá se disponibilizam para acolher ucranianos, mesmo sem os conhecerem. Afinal, num contexto de guerra, toda a ajuda é crucial, desde que a segurança e o bem-estar sejam garantidos no novo local de acolhimento.

No Centro de Acolhimento Temporário estabelecido no estádio de Leiria, estão alojadas 42 pessoas, mães e filhos. Ali, o processo de integração vai decorrendo de forma gradual: já procederam todos à legalização no SEF e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) também já visitou o espaço, de forma a aferir a experiência profissional de cada um.

Segundo Ana Valentim, vereadora da Câmara de Leiria com o pelouro da Ação Social, as prioridades agora passam por conferir autonomia a estas famílias. E para isso, é necessário que aprendam o novo idioma. As aulas de português começaram esta quarta-feira, no estádio.

Será apenas no próximo mês, que os mais novos irão começar a frequentar as escolas do concelho. Até lá, alguns mantêm aulas online nas escolas ucranianas que frequentavam, conta Yuliya Hryhoryeva, porta-voz da comunidade ucraniana em Leiria.

Boa parte do processo de integração passa ainda pela inserção no mercado de trabalho e pelo alojamento, sendo o estádio apenas um ponto de passagem para o recomeço. Neste âmbito, Ana Valentim divulgou na última reunião de executivo, terça-feira, dia 22, que 15 empresas de Leiria já “disponibilizaram habitação para acolher estas família”. O programa Porta de Entrada, do IRU, vai também apoiar nas rendas, mediante inscrição na plataforma.

Adianta ainda que “78 empresas do concelho manifestaram interesse” em recrutar trabalhadores ucranianos.

Brincar é também importante

E como a estimulação criativa é uma boa forma de amenizar os traumas da guerra e entreter as crianças, o estádio conta agora com um espaço lúdico, com muitos brinquedos e material de desenho.

A funcionar desde sábado passado, o espaço foi proposto pela artista visual Sandrine Cordeiro, que pôs mãos à obra e criou uma campanha, assinada pela sua marca Agnus, com o apoio da Câmara de Leiria, e o Jardim do Fraldinhas e a Farmácia Boavista, como parceiros.

Para a artista visual, era importante criar um espaço para as crianças onde também “as mães pudessem estar um pouco com elas próprias, em vez de estarem sempre juntos, mãe e filho, sem nada para fazer”, porque, na realidade, “a vida deles está em suspenso”.

Em poucos dias, foi angariado muito material, superando as expetativas de Sandrine Cordeiro. Sobrou até material, frisa, explicando que esse tem como destino Porto de Mós, Marinha Grande e outros locais com instituições de apoio aos refugiados ucranianos. A ideia, realça, é “fornecer brinquedos e material escolar” aos centros de acolhimento, “para terem um espaço único”.

“Quando [as famílias] saírem do estádio, o objetivo é levarem algum material escolar e brinquedos”, completa.

Campanha terminada, a artista visual está agora à procura de pessoas, dentro de áreas artísticas, que se possam dirigir àquele espaço para desenvolver atividades de música, trabalhos manuais, jogos, etc. (inscrições através de agnusine@gmail.com).

Monte Redondo cria centro de acolhimento

Nos Montijos, em Monte Redondo, surgiu por estes dias um centro de acolhimento temporário, que já dá conforto a 22 cidadãos ucranianos, num total de oito famílias. A partir da associação Ukrainian Refugees UAPT, chegaram à “nova casa” 12 deslocados no passado sábado e os restantes na noite de segunda-feira, 21.

O centro de acolhimento de refugiados temporário tem capacidade para 50 pessoas

Por ali, no espaço cedido por Diamantino Azinheiro, foram improvisados quartos com camas e pouco mais. Há três casas de banho (zona de balneários), uma cozinha espaçosa e uma sala, onde estão várias mesas e cadeiras, assim como zona infantil, onde as crianças fazem por estes dias desenhos e correm de um lado para o outro.

Não é uma casa dita “normal”, mas tem todas as condições necessárias, preenchidas pela junta de freguesia, pelo proprietário do espaço, outras entidades, e a própria comunidade da freguesia. A alimentação tem sido suportada por supermercados e restaurantes locais. E como algumas famílias são parentes de outras, a integração tem corrido melhor.

Há pessoas que vieram por conta e risco, só com a roupa que vestiam

Diamantino Azinheiro, proprietário do espaço

“Sentimos que eles estão a gostar. Uma das mães já manifestou que até não se importava de viver aqui, face ao que já pôde conhecer”, conta Céline Gaspar, presidente da União de Freguesias de Monte Redondo e Carreira.

Todos os que estão no centro já fizeram pedido de apoio no SEF e estão a aguardar título de residência, número de Segurança Social e de contribuinte. Céline Gaspar adianta que a atribuição “pode demorar alguns dias”.

Nas próximas semanas, a prioridade é receber os documentos, dar aulas de português e colocar as crianças na escola, frisa.

Quanto a habitação, emprego e outros apoios estão a ser tratados igualmente pela Junta, em articulação com o Município.

Este centro, explica a presidente, tem capacidade para acolher 50 pessoas.

Fé e integração de mãos dadas

Há cerca de 25 anos que a Igreja Evangélica Baptista de Leiria tem vindo a desenvolver um trabalho de proximidade com os cidadãos ucranianos a viver na região. “É uma comunidade autónoma, que tem os seus cultos, na sua própria língua, e reúnem-se aqui todos os domingos ou noutros dias em que tenham festa”, começa por explica o pastor António Gonçalves.

A Igreja Evangélica Baptista de Leiria deu suporte e alojamento a uma família ucraniana, que chegou a Leiria dia 12 Foto: IEBL

Esta relação criou uma afinidade e carinho grande entre ambas as comunidades. António Gonçalves afirma que a guerra tem sido “muito exigente” do ponto de vista emocional para os membros desta Igreja: “Já nos conhecemos há muito tempo e há aqui um sofrimento acrescido, não só pelos [ucranianos] que estão aqui, mas pelos que têm lá família e não a conseguem trazer”, sublinha.

Desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia, a Igreja tem trabalhado em rede com a Convenção Baptista Portuguesa (CBP), que criou um gabinete de crise, no sentido de enviar bens essenciais para a Polónia, na fronteira com a Ucrânia, e resgatar refugiados.

No sábado, dia 12, chegou a Portugal uma caravana com 27 cidadãos ucranianos e uma das famílias foi acolhida em Leiria. O pastor António Gonçalves garante que serão dadas “todas as condições a esta família, como adiantar dinheiro para fazerem as suas compras, como roupa e outros bens, para terem uma vida o mais facilitada possível”.

Já esta semana, várias carrinhas estão novamente a caminho da Polónia e deverão chegar a Portugal nos próximos dias, com mais refugiados. A Igreja Baptista de Leiria prevê que alguns destes cidadãos ucranianos sejam acolhidos em Leiria.

A Igreja está, por isso, a aceitar doações de roupa, comida ou até dinheiro, que serão encaminhadas para estas famílias (avenida Combatentes da Grande Guerra, nº 25, Leiria).

Com JM


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