Aquela que seria uma experiência para enriquecer conhecimentos, viajar e descobrir outras culturas, revelou-se em pouco tempo uma situação de catástrofe humanitária inimaginável. Seis jovens da Índia e dois do Paquistão estavam em Kiev, na Ucrânia, ao abrigo de um programa de estudos internacional, alguns há dez meses, outros há 12, quando a guerra bateu à porta.
Hashir Ayub, de Islamabad, capital do Paquistão, recorda-se bem das primeiras explosões aquando do início do conflito, na madrugada de 24 de fevereiro. Estava a dormir quando foi acordado por amigos a dizerem que tinham ouvido explosões. “Levantei-me, fui à janela, ouvi um barulho e vi um avião de caça passar mesmo por cima do nosso edifício. Um minuto depois, ouvi duas explosões muito fortes”, começa por contar ao REGIÃO DE LEIRIA.
Foi a partir daquele momento que viu a situação escalar: “começámos a ver pessoas a entrar nos carros e a carregar a bagagem para fugirem”.
O grupo de estudantes não pretendia abandonar o país, mas na noite daquela quinta-feira a situação piorou e perceberam que tinham de sair dali, chegando o mais depressa possível à fronteira com a Polónia.
Mas a saída não foi fácil. Depois de reunirem as coisas essenciais – documentação pessoal e dinheiro – fizeram-se à estrada e demoraram um dia para alcançar a fronteira, passando perto de “filas de tanques e veículos militares com ‘lagartas’ no chão”.
Na chegada, encontraram mais de “oito mil pessoas, a maioria mulheres e crianças ucranianas”. Perante o grande fluxo humano e depois de perceberem que a fronteira estava fechada, decidiram voltar para trás.
Numa segunda tentativa de abandonar a Ucrânia, encontraram uma “linha de carros” de muitos quilómetros, que iria “levar vários dias” a contornar. Foi como um golpe de sorte que no meio de uma vila ucraniana, conta Hashir, encontraram um ponto de passagem com menos pessoas. “Demorámos entre 8 a 12 horas a conseguir atravessar, mas conseguimos”. Com os pés na Polónia, “já nos sentíamos seguros, não estávamos mais em pânico”.
Manish Humar, de Haryana, na Índia, recorda o medo que sentiram quando estavam a tentar sair do país e ouviram explosões bastante perto: “Foi muito assustador”.
Olhando em retrospetiva, realça a ajuda do Governo indiano, que lhes disse para levarem a bandeira da Índia e mostrar ao exército, porque assim “ia ajudar a chegar à fronteira”. O gesto solidário de alguns polacos fica igualmente na memória do grupo: “deram-nos comida, roupa e disseram para onde podíamos ir”.
De Kiev à Maceira
Apesar de estarem seguros na Polónia, o destino final destes estudantes internacionais foi Portugal, onde chegaram de avião há 12 dias, a partir de Paris.
Manish explica que escolheram este país, porque tinham visto nas notícias que “o Governo português estava a ajudar os deslocados ucranianos”. Além disso, permitia prosseguir estudos num outro país europeu, completa.
Desde então, o grupo está alojado no bairro da Secil, na Maceira, onde tem todos os apoios de que necessita: a AMITEI ajuda com a alimentação (através dos bens existentes no estádio de Leiria) e a Secil cedeu a casa e paga a internet, instalada na última terça-feira, dia 29, a pedido dos jovens. Também Luís Prata, presidente da Junta de Freguesia da Maceira, faz visitas regulares para saber se está tudo bem e ajudar no que for preciso.
Por agora, os jovens, entre 20 e 28 anos, aguardam os documentos das universidades para saberem se têm equivalências e conseguem prosseguir estudos (licenciaturas e mestrados) no Politécnico de Leiria, nas áreas de business management, estudos linguísticos e engenharia eletrónica.