Quando situações mais difíceis batem à porta, a fé é para muitos, inclusive para os menos religiosos, um porto de abrigo, a alavanca que permite continuar a ter esperança.
Desde que a guerra começou na Ucrânia, é esse o papel que a fé tem desempenhado junto dos ucranianos. Yuliya Hyhoryeva, porta-voz da comunidade em Leiria, sente na pele a força proporcionada pela fé. Conta que rezar e frequentar as liturgias na capela do Bairro das Almoinhas, em Leiria, ajuda a “aliviar a dor, a tensão e a angústia”. “As pessoas sentem-se úteis a rezar”, completa.
O mesmo acontece na Batalha, em que todos os domingos, mais de 100 pessoas reúnem-se na Igreja Matriz para assistir à liturgia celebrada pelo padre ucraniano Yuvenalii Mulyarchuk. Noventa por centro da comunidade que frequenta as celebrações é ucraniana e os restantes são moldavos e romenos, conta o padre da Igreja Ortodoxa Ucraniana na Batalha.
Antes da invasão, indica, os russos frequentavam igualmente aquelas missas, mas agora afastaram-se e até já têm a sua “própria comunidade” em Leiria.
Yuvenalii Mulyarchuk que serve na Batalha desde 2015, lembra-se do primeiro domingo na igreja desde a invasão da Ucrânia pela Rússia: “Todos os nossos paroquianos choraram no início da missa. Não conseguíamos começar. Foi muito difícil”.
Mas agora, salienta, a comunidade ucraniana está “mais forte e mais ativa”. E para isso contribui o tempo que reservam para orar. É que além das missas na igreja, há todos os dias orações na casa do padre, na Faniqueira, perto do Mosteiro da Visitação de Santa Maria.
A verdade é que “a guerra juntou todos para orar”, mas também “para ajudar”, conclui o sacerdote, referindo-se à campanha que a comunidade ortodoxa ucraniana iniciou a 26 de fevereiro no Centro Paroquial da Batalha, para recolher bens a fim de ajudar a Ucrânia.
Por lá também existia um altar, com uma bandeira da Ucrânia e outra de Portugal, lado a lado. Todos os dias, antes e depois de organizar os donativos, os voluntários rezavam pela salvação do país natal. Entretanto foi retirado, por falta de espaço.
Vladimir Putin comparado a Caim
Durante a conversa com o REGIÃO DE LEIRIA, há um tema que é impossível passar ao lado: o genocídio que a Rússia está a cometer. Para o padre Yuvenalii, não há motivos que o expliquem: “Eles diziam ser nossos irmãos mais velhos, mas agora querem destruir-nos”. “Putin quer destruir a nossa cultura, a nossa língua, as nossas igrejas…tudo o que é ucraniano”, frisa com alguma emoção.
E compara até Vladimir Putin a Caim, referindo-se ao episódio da Bíblia em que Caim, o primeiro filho de Adão e Eva, mata o irmão Abel.
O conflito que já existe há muitos anos, sinal de que a história se repete, aplica-se também na religião. É que, explica, a Igreja Ortodoxa Russa nunca aceitou a unificação da Igreja ucraniana, concedida pelo Patriarcado Ecuménico de Constantinopla.
O sofrimento e a impotência perante o que se está a passar na Ucrânia sente-se nas palavras do padre. Mas quando se muda de tema para a Páscoa, que se aproxima, a expressão preocupada dá lugar a um sorriso. À semelhança do panorama de anos anteriores, o padre espera muitas pessoas na missa do domingo de Páscoa (que se celebra na Igreja Ortodoxa Ucraniana a 24 de abril).
Nesse dia, será dita uma missa de cinco horas – a iniciar no final da noite – e em que têm lugar as tradições, das quais o padre fala com muita alegria. É que todos os participantes levam um cabaz com enchidos, ovos da Páscoa, entre outros alimentos, para o sacerdote benzer.
Ovos crus pintados à mão são também cruciais na celebração. É com eles que Yuvenalii faz uma espécie de jogo de força, perdendo o ovo que partir.
Já no caso de Yuliya Hryhoryeva, que pertence à Igreja Greco-Católica Ucraniana, a Páscoa é celebrada nas mesmas datas que a da Igreja Católica. Como tal, esta sexta-feira, dia 15, há missa de manhã para relembrar a crucificação e morte de Jesus Cristo. Naquela igreja, que acolhe a comunidade ucraniana desde dezembro de 2021, costuma haver missas às quartas, sextas, sábado e domingo.