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“Estamos numa das épocas mais excitantes para fazer jornalismo”

Diogo Cardoso é diretor da revista Divergente

Do seu ponto de vista, que relevância mantém a imprensa no contexto atual, em que estão disseminadas plataformas diversas de comunicação? 

A imprensa, e quando falo imprensa, falo de jornalismo, de imprensa que publica jornalismo, tem um papel super relevante no contexto atual. Tem um papel fundamental no contexto histórico em que nos encontramos, com a disseminação das fake news e de plataformas com roupagem de informação, mas que não seguem preceitos jornalísticos, o código deontológico da profissão, que é aquele que rege ou deveria reger os protocolos do jornalismo de qualidade. Isso tem influência também – daí ser tão importante – na perceção que o público tem do jornalismo nos últimos anos. O jornalismo tem passado por um processo de descredibilização, com o advento das redes sociais e das plataformas de acesso à informação. Essa descredibilização, do ponto de vista da visão do público, tornou-se ainda mais forte e a única maneira de o jornalismo continuar a distinguir-se como fonte de conhecimento palpável e credível, é seguir esses preceitos éticos e deontológicos. A imprensa mantém um papel fundamental, quando feito com qualidade, objetividade e com o equilíbrio que advém da prática jornalística. As plataformas diversas de comunicação têm esse problema: não são escrutinadas, ou são escrutinadas de forma diferente e não estão sujeitas às mesmas regras do jornalismo feito com qualidade. Daí poder causar alguma confusão, também no público e na sociedade civil, o que é informação, o que é um blogue de alguém que escreve sem verificação de factos, e o que é uma coluna de opinião. Há aí espaço também para um grande trabalho ao nível da literacia para os media: é algo que se começou a falar nos últimos anos, mas que será essencial. Seria essencial já no presente, mas sê-lo-á no futuro, com esta avalanche cada vez maior de fluxos de informação a que temos acesso todos os dias e que tornam difícil, para um cidadão comum, distinguir o que é informação, jornalismo ou simples plataformas sem verificação. É o papel do jornalista e da imprensa, assumir e restabelecer essa conexão com o público e a relação de confiança do que é publicado, verificado e pode ser confiável.

Acredita que a imprensa tem condições para cumprir a sua função com a consolidação do paradigma digital? 

Esta é uma pergunta que surge muitas vezes, quando vamos a universidades ou vamos falar sobre o projeto da Divergente ou quando estamos envolvidos em discussões sobre o futuro do jornalismo. O paradigma digital tem sido mal interpretado, por causa de uma falta de flexibilização ou adaptação às novas possibilidades. Estamos numa das épocas mais excitantes para fazer jornalismo, porque temos à nossa disposição ferramentas digitais, acesso à informação, meios e formas de chegar a arquivos ou a informação escondida que, de outra maneira, nunca teríamos acesso. E isso abre possibilidades enormes, do ponto de vista investigativo, tanto a nível da impressa local como da imprensa chamada mainstream. O que não podemos fazer é continuar a fazer jornalismo, como se fazia há 20 anos, enterrando a cabeça na areia e tentando esquecer as novidades que surgem, as a possibilidades que se abriram à nossa frente e, obviamente, o que ficou pelo caminho. É preciso mudar o paradigma. E falo também na perspetiva de entender o jornalismo como um negócio: o jornalismo não é um negócio e tem de ser visto como uma ferramenta ao serviço da sociedade e do público em geral. Nessa perspetiva, o jornalismo deve adaptar-se do ponto de vista tecnológico ao paradigma digital e adaptar-se também a uma nova perceção do público. Atualmente, o público tem acesso a uma quantidade brutal de informação e por isso a única forma de o jornalismo se diferenciar, é pela sua qualidade e rigor. Não deve tentar competir com plataformas ou fluxos de informação que estão no limbo e não são nem jornalismo, nem entretenimento, porque essa guerra não pode ser ganha. É importante que adaptação ao paradigma digital passe também por uma reinvenção, no bom sentido da palavra, do que é fazer jornalismo, olhando para as portas abertas, para as oportunidades que o digital abriu, sem ficar agarrado à forma de fazer jornalismo e a forma de publicar e, sobretudo, de encontrar sustentabilidade financeira em modelos do passado. A imprensa tem todas as condições para a consolidação, precisa de diferenciar-se e voltar às bases do que é o verdadeiro jornalismo: providenciar informação fidedigna ao público, confrontar estruturas de poder e atuar como mediador entre uma realidade que nem sempre é de compreensão fácil para quem está fora dos assuntos, e o público.

Como avalia a dinâmica da imprensa local e regional e a capacidade de assegurar as atividades informativa e de escrutínio, nomeadamente no que se refere a esta região de Leiria?

Sou natural do Juncal, mas estou há 15 anos fora, trabalhando primeiro no Porto e agora em Lisboa, por isso estou um pouco afastado das dinâmicas da imprensa local e regional. Em abstrato, o que posso dizer é que a imprensa local e regional tem um papel fundamental de acompanhar o que acontece fora dos grandes centros urbanos. A informação diária acaba por focar-se muito nos polos urbanos ou em centros políticos de decisão. E isso acaba por deixar de lado as realidades de centros mais pequenos.  E aí, a imprensa o local e regional tem um papel fundamental em fazer esse acompanhamento e deslocar um pouco o centralismo urbano dos grandes media e dar plataforma para outras coisas que vão acontecendo noutras zonas do país. E isso é fundamental. E também pela proximidade que tem também com as atividades que vão acontecendo com os atores políticos regionais. Penso que tem um papel de escrutínio ainda mais importante porque conhece as realidades, pode ter acesso a elas e confrontá-las diretamente. Mais do que a imprensa nacional, que está afastada desses polos mais pequenos e que não tem tanto conhecimento do que se está a passar e não teria factos suficientes para confrontar a estrutura de poder. É importante que tenha força e não dependa só de publicidade, porque há o perigo de que possa haver alguma deturpação do ponto da visão do público e alguma falta de credibilidade, sobre o que se escreve ou não escreve. E isso leva à questão do financiamento: como se financia a imprensa local ou regional. Esse é um pouco do desafio de projetos independentes, como a Divergente, que não aceitam publicidade e não estão dependentes dessa lógica do mercado. Há espaço para haver movimento cívicos que englobem a imprensa local e projetos independentes de jornalismo, na persecução de apoios estruturais de jornalismo essencial, como é o jornalismo independente no caso da Divergente, ou o jornalismo de proximidade, como é o caso do Região de Leiria.

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