O chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Henrique Gouveia e Melo, alertou hoje que a democracia não é inevitável, pelo que deve ser defendida e alimentada.
“A democracia não é inevitável. Nós temos de a defender. Ela deve ser alimentada e sustentada”, afirmou Gouveia e Melo, em Porto de Mós, concelho de Leiria, no âmbito da conferência “O mundo dividido entre autocracias e democracias”, integrada num ciclo no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.
Segundo o almirante, “se as democracias falharem em apresentar argumentos convincentes sobre a importância das liberdades políticas ou se os cidadãos ficarem desiludidos com a forma como são governados, uma nova geração de autocratas estará muito disposta a intervir e tomar as rédeas do poder”.
“Se tiverem sucesso, o mundo tornar-se-á mais violento, corrupto e perigoso para viver”, avisou.
No discurso, onde falou sobre o fim da Guerra Fria, Gouveia e Melo assinalou que “a desestruturação dos sistemas ideológicos de referência, alguns efeitos negativos da globalização e um conjunto desastroso de políticas internacionais fizeram renascer nacionalismos adormecidos e extremismos identitários e religiosos fraturantes da sociedade internacional”.
“Os governos democráticos podem não estar mais ligados à paz que as autocracias, mas está bem estabelecido que as democracias raramente entram em guerra umas com as outras”, assinalou, abordando depois o enquadramento geopolítico e geoestratégico, o ressurgimento das autocracias e os desafios das democracias.
De acordo com Gouveia e Melo, “o avanço de regimes autocráticos tem gerado preocupações quanto ao enfraquecimento das instituições democráticas, a erosão dos direitos civis e a ameaça à liberdade de imprensa”, notando que, num “reflexo da mudança do equilíbrio do poder financeiro, as autocracias estão cada vez mais a financiar as democracias, o que é preocupante, com as economias ocidentais dependentes dos fluxos de capital das economias chinesas e do Golfo Pérsico”.
Para o chefe do Estado-Maior da Armada, no âmbito dos desafios da cooperação internacional, “a rivalidade entre democracias e autocracias apresenta desafios significativos”, pois “num mundo cada vez mais polarizado, a colaboração em questões globais tornou-se mais difícil e as nações estão cada vez mais relutantes em trabalhar juntas em áreas como o comércio, a segurança e o meio ambiente”.
Gouveia e Melo salientou ainda que a “invasão russa à Ucrânia produziu a maior unidade e urgência entre as democracias dos últimos 40 anos”, referindo que “as democracias ocidentais têm-se unido em torno de valores comuns”, como a liberdade de expressão, a proteção dos direitos humanos e a defesa do regime democrático.
Por outro lado, “as nações autocráticas, como Rússia e China, têm-se posicionado como alternativas ao modelo democrático ocidental, oferecendo a sua própria visão, revisionista, de desenvolvimento político e económico”, para sublinhar que “uma nova Guerra Fria não é inevitável”.
Ainda assim, “a cooperação entre as democracias e autocracias em questões globais, como o combate ao terrorismo, a crise climática e a pandemia” de covid-19, “pode ajudar a reduzir a tensão entre os blocos”.
O chefe do Estado-Maior da Armada acrescentou que “Portugal, enquanto Estado-nação, pequeno e limitado no seu poder relativo no concerto das nações, deverá ter, na formulação das suas políticas, em consideração que o mundo não está nem parece caminhar para a paz global”, sendo que “nenhum sistema legal internacional, ‘per se’, protegerá integramente os interesses portugueses”.
“Portugal não estará livre de ser arrastado, face às coligações a que pertence, à posição e ao espaço que ocupa geograficamente e aos seus interesses, para uma zona mais central e quente do conflito” entre os dois blocos, acrescentou.