O ténis em cadeira de rodas, que começou a praticar sete anos após ter ficado paraplégico, permitiu a Carlos Leitão preencher algo que faltava na sua vida, e agora tenta convencer outros com deficiência a aderirem à modalidade.
“Além da família que tinha em casa, ganhei outra família com o ténis em cadeira de rodas”, disse o atleta de 51 anos à Lusa, à margem da participação de Portugal no Campeonato do Mundo de Equipas de ténis em cadeira de rodas, que se disputou até domingo em Vilamoura, no Algarve.
Eram quatro os portugueses entre os 150 jogadores de 22 países em prova, mas existem apenas 14 praticantes competitivos a nível nacional, cenário que a Federação Portuguesa de Ténis (FPT) quer modificar com a atração de atletas mais jovens para a modalidade, visando a longo prazo o apuramento para os Jogos Paralímpicos.
Em 1995, Carlos Leitão estava a praticar futsal quando foi buscar uma bola perdida e caiu de um teto falso, queda que o deixou paraplégico e cujas sequelas imediatas o levaram a passar “um ano e meio seguido em hospitais”.
De repente “agarrado a uma cadeira de rodas”, teve de renovar a sua vida profissional e, ao tirar um curso de serviços administrativos, foi graças a um convite do presidente do Clube de Ténis do Pombal, emblema da sua terra natal, no distrito de Leiria, que descobriu o ténis adaptado, depois de ter experimentado outra modalidade.
“Ainda tentei o basquetebol adaptado, mas são mais jogadores, é mais pelo coletivo. Prefiro o ténis, por ser mais individual. Na altura, foi muito benéfico para mim, para a minha qualidade de vida. (…) O desporto foi muito favorável. Preencheu-me muito nessa altura”, confidenciou o atleta.
Evitando o isolamento em casa, que é “muito complicado”, o convívio com outros atletas nas mesmas condições deixou perceber a “realidade” das pessoas com deficiência motora, antecipando as suas necessidades e dificuldades.
“A fisioterapia ajuda muito as pessoas que estão na minha situação, paraplégicas, mas movimentar-se, mexer-se [como no ténis em cadeira de rodas], é superior à fisioterapia. Estarmos em casa a ver televisão sentados no sofá, isso não ajuda nada”, acrescentou.
Carlos Leitão começou a praticar ténis adaptado em 2002 e, seis anos depois, sagrou-se campeão nacional pela primeira vez, repetindo o título em mais sete ocasiões.
O atleta de Pombal, 197.º posicionado no ranking mundial, gosta de se sentir como um “embaixador” da modalidade, tentando sempre angariar mais praticantes para uma modalidade que se rege pelas regras normais, com a exceção de a bola poder bater duas vezes no terreno de jogo.
“Quando vejo outra pessoa [paraplégica], gosto que ela se sinta bem, assim como eu me senti, vou ter com ela e digo se não quer experimentar. Já convenci várias pessoas, umas ficaram e outras não”, contou Leitão, que, atualmente, gere dois estabelecimentos comerciais com a família e continua a ter como sonho o apuramento para os Jogos Paralímpicos, que reconhece ser “complicado”.
Representar a bandeira portuguesa, o que acontece desde 2009, é um “grande orgulho” para o atleta português, que, em Vilamoura, teve a companhia, na equipa das “quinas”, de Jean Paul Melo – o melhor luso no ranking mundial (124.º) –, João Couceiro e o estreante José Sousa.
Os portugueses participaram na competição por serem, pelo segundo ano consecutivo, anfitriões do Mundial de Equipas de ténis em cadeira de rodas – equivalente à conhecida Taça Davis –, mas o seu patamar competitivo ainda “não é comparável” à dos principais países em prova, alguns deles com “estruturas profissionais”, confessou Joaquim Nunes, responsável pelo desporto adaptado na FPT.
Atualmente, a nível nacional, a modalidade conta com 14 praticantes de nível competitivo em seis clubes com atividade, além de mais uma dezena a jogar por lazer, registando-se uma “lacuna significativa” entre os jovens e as mulheres.
A federação, que organiza anualmente o campeonato nacional e um circuito nacional com seis torneios, que atribuem prémios monetários, além de algumas provas internacionais, procura agora chamar mais atletas ao ténis em cadeira de rodas com o projeto “Play and Stay TCR”.
“É um programa dedicado aos mais jovens, em que durante dois anos suportamos a atividade do ensino a 100% e emprestamos material, como cadeiras de rodas”, referiu Joaquim Nunes, acrescentando que a FPT faz divulgação da modalidade nos centros de reabilitação física do país.
A meta passa por, nos próximos dois anos, “duplicar o número de praticantes numa prática regular em termos de competição”, no mínimo com cinco a dez jovens sub-18, com o pensamento a longo prazo nos Jogos Paralímpicos, ainda que o objetivo principal seja sempre disponibilizar uma oferta desportiva às pessoas portadoras de deficiência.
“O nosso grande objetivo é dizer às pessoas que existe o ténis em cadeira de rodas, que, com prática regular, independentemente de fazer ou não competição, tem ganhos significativos à interação das pessoas com o meio, à melhoria da sua qualidade de vida, em termos físicos e emocionais. Essa tem sido a nossa preocupação”, concluiu o dirigente.
Em Vilamoura, competiram até domingo um total de 150 jogadores, nas categorias de masculinos, femininos, juniores mistos e “quad” (jogadores com limitações nos membros superiores), oriundos de 22 países. A seleção nacional portuguesa terminou a competição em 15.º lugar.
O ténis em cadeira de rodas surgiu nos Estados Unidos, por iniciativa de um atleta que fazia snowboard, que ficou paraplégico e iniciou a sua prática. Em Portugal, as primeiras demonstrações remontam aos anos 80 do século passado. A modalidade integra o programa efetivo dos Jogos Paralímpicos desde Barcelona1992.