Várias consultas de ginecologia e oito a dez anos de sofrimento, é o percurso comum para diagnosticar a endometriose (presença de células endometriais em locais fora do útero), “não porque os sintomas não sejam evidentes, mas porque não são devidamente valorizados pela classe médica”.
A afirmação pertence a António Alves e é corroborada por António Setúbal quando refere que a dificuldade em diagnosticar a doença reside na “ignorância de muitos médicos”.
As afirmações foram proferidas pelos dois ginecologistas, durante o I Encontro Português de Endometriose, que decorreu a 26 de maio, no Hotel Mestre Afonso Domingues, na Batalha.
A iniciativa partiu do Mulherendo – Grupo de Apoio a Mulheres com Endometriose, juntou outros ginecologistas com trabalho desenvolvido neste domínio, como Filipa Osório, Fátima Faustino, Luís Vicente e Maria do Céu Santo, e ainda o acupuntor Rui Chico e a presidente da plataforma Endometriosis.org, Lone Hommelshoj, conhecida pelos esforços em ver reconhecida a doença no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia.
Na plateia estavam mais de 70 pessoas, uma boa parte casais, que diariamente lidam com a patologia e que aproveitam todas as oportunidades para ver esclarecidas as dúvidas e atenuada a sintomatologia. É que este é um dos pontos críticos da doença.
A endometriose manifesta-se através de dor a vários níveis: na menstruação (dismenorreia), na relação sexual (dispareunia), na micção (disúria) e através de cólicas intestinais intensas sobretudo durante o período menstrual (disquézia), entre outros sintomas.
A infertilidade, não sendo uma consequência direta, pode afetar entre 20 a 68 por cento das mulheres que sofrem de endometriose, de acordo com os números apresentados pela ginecologista Filipa Osório.
As causas não são conhecidas, mas os especialistas presentes no encontro concordam numa conjugação de fatores que envolve uma predisposição genética, a estrutura hormonal e o meio envolvente.
Para Fátima Faustino, o stresse e a ansiedade são fatores agravantes e para Luís Vicente as trombofilias podem ter neste contexto um papel determinante, embora ainda não existam provas suficientes dessa correlação e esta seja, por isso, “uma questão polémica”.
Em Portugal, desconhece-se o número de mulheres que sofre de endometriose – lacuna que o Mulherendo tenciona vir a colmatar em breve – mas sabe-se que “a doença não tem cura, apenas tratamento e controlo” e que “deve ser vigiada como uma doença oncológica”, referiu António Alves.
Para António Setúbal, “a endometriose grave é uma doença cirúrgica, não uma doença médica”, o que significa que apenas pode ser tratada com recurso à cirurgia. A generalidade dos médicos presentes no encontro partilha desta opinião, mas insistem no “estudo individualizado da mulher”, como sustentou Filipa Osório, na “discussão franca com a doente em relação às taxas de sucesso e risco”, segundo Fátima Faustino, e, em caso de infertilidade, na “avaliação do casal em conjunto”, sublinhou Luís Vicente.
Durante o encontro na Batalha esteve exposto o projeto fotográfico de Andreia Trindade sobre a doença, intitulado “Projeto Endo”.
Segundo a autora, o trabalho nasceu da “vontade de transformar sentimentos negativos em algo libertador”, tendo “como objetivo primário alertar a comunidade médica em geral para uma doença crónica grave que afeta uma em cada seis mulheres em idade reprodutiva.
“Os médicos acham que é tudo normal”
Entrevista a Susana Fonseca, coordenadora do Mulherendo – Grupo de Apoio a Mulheres com Endometriose, que pretende avançar para a criação de um instituto que promova a pesquisa.
Por que razão demorou tanto tempo até se fazer um primeiro encontro sobre endometriose?
Porque não houve iniciativa e os médicos têm muita falta de disponibilidade. Este encontro está a ser organizado desde outubro.
Mas existe uma associação em Portugal [Aspoendo]…
Existe mas está desativada. A primeira etapa foi contactar a Aspoendo porque se existia uma associação, não fazia sentido estarmos a fazer um trabalho paralelo, era unir forças, porque está mais do que provado que é da união que saem os bons resultados.
Isto então tornou-se uma associação?
Não é uma associação, é um movimento, é um grupo de mulheres com endometriose [http://mulherendo-epe.blogspot.pt] . O meu objetivo e o objetivo das colegas que trabalham mais ativamente comigo é avançarmos para a criação de um instituto que não só apoie as mulheres como também promova a pesquisa. Em Portugal, também há muito pouca pesquisa, existe muito no estrangeiro, mas sobre as mulheres portuguesas sabe-se pouco. Tenho quase pronto um questionário de rastreio-base. O objetivo é que o maior número de mulheres com endometriose responda. Tem perguntas desde o nome, à localidade, ao médico, o número de cirurgias, primeiros sintomas, os anos que demoraram até terem o diagnóstico, para tentar perceber o problema. O que sabemos é o que vem do estrangeiro.
Neste momento, o movimento está com quantas pessoas a trabalhar?
Tenho 16 pessoas inscritas como voluntárias, mas trabalho ativo é feito por 10 pessoas. Primeiro, temos uma condicionante grande que é a localização geográfica. Não temos sede, mas eu sou de Leiria, a minha colega Susana é do Alentejo, a Tânia é de Salvaterra, uma colega é do Porto, ou seja, cada uma está num ponto do país. Isto fez-se na Batalha porque era o centro do país. Temos pessoas que vieram do Algarve e do Porto. O centro do país era o mais justo para todos. Mas para o ano vamos ter de avançar com duas sessões, uma em Lisboa.
O vosso trabalho consiste essencialmente em quê?
O nosso objetivo principal é ajudar as mulheres com endometriose. Quando se tem o primeiro impacto com a palavra e se faz uma pesquisa entra-se em pânico. São aquelas cirurgias, é o não conseguir engravidar. O que tentamos fazer é desmistificar tudo. Vai acontecer tudo, mas não é tudo de uma vez. É preciso viver um dia de cada vez e preparamos as pessoas para as fases que se vão seguindo. Explicamos como é a colonoscopia, a ressonância magnética, o clister opaco, a preparação… Neste aspeto, os médicos também estão muito contentes porque facilitamos o trabalho deles. Existem muitas dúvidas relativamente à laparoscopia. Em termos monetários, não podemos ajudar, mas tentamos que as pessoas sejam atendidas no público.
E em relação ao facto de a endometriose poder ser considerada uma questão de saúde pública, o que pensam fazer?
Há muitos médicos que ainda não acreditam que isto é uma doença. Acham que é tudo normal. Primeiro, é necessário desmistificar
Está satisfeita com este primeiro encontro?
Sim, estou muito satisfeita. O entusiasmo e as expectativas das pessoas que estavam lá em baixo eram enormes, andavam a falar nisto há dois meses. Acho que as pessoas vão sair daqui mais esclarecidas. É uma rampa de lançamento para o trabalho que tem de ser feito daqui para a frente.
Patrícia Furtado disse:
Fico satisfeita de saber que finalmente existe uma associação para defender as mulheres com esta doença. Eu tenho endometriose desde os 18 anos e neste momento tenho 39 anos. Há 21 que sofro desta maldita doença, fui operada 4 vezes e muitos tratamentos. Infelizmente ao fim de todos estes anos e já sem útero nem ovários, continuo com imensas dores por todo o corpo. Principalmente lombares. A fadiga é enorme e não consigo trabalhar. Tenho dias que os passo na cama sem poder me levantar. Tomo morfinas para as dores. Estou de baixa à 2 anos e quando sou presente a médicos da junta: dizem me já foi operada não percebemos porque continua de baixa??? A ideia que nos passam é de preguiçosa… Mas garanto que sempre fui muito activa desde jovem esta maldita doença estragou a minha vida. Graças a Deus consegui engravidar e ter 2 filhas logo após as cirurgias fui operada em Santa Maria. O facto de estar sujeita a dor permanentemente levou me a uma grande depressão. Que acabou por resultar num divórcio. E no segundo casamento devo dizer não é fácil para um companheiro perceber o que nós temos e dar nos o devido apoio e compreensão. Tudo isto por falta de informação. As consultas das mulheres deveriam ser acompanhadas dos respectivos companheiros. Pois a doença afecta toda a família em geral. E assim passam os melhores anos da nossa vida e não podemos fazer o que para todas as outras mulheres são coisas simples e sem qualquer esforço, para nós são muito complexas e dolorosas. Após ver o endomulheres e o Dr. António Setúbal senti que pode haver alguma esperança de melhoria na qualidade de vida embora saiba tratar se de uma doença crónica.
MulherEndo disse:
Boa tarde, para todas pessoas que quiserem conhecer o nosso trabalho convidamos a visitar o nosso blog: mulherendo.blogspot.com. Se precisarem de entrar em contacto connosco escrevam-nos para: geral.mulherendo@gmail.com
Obrigada a todos pelas palavras de incentivo!
SusanaFonseca
GAPENDI disse:
Acompanhamos as ações do MulherEndo e queremos parabeniza-las pelo esforço e dedicação em tornar conhecida a endometriose em Portugal. Aqui no Brasil existem vários grupos que se propõe a tb divulgar a endometriose. Nós, do Gapendi – Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade – temos realizado várias ações neste sentido. É um trabalho de formiguinhas, mas precisamos ser persistentes, pois é muito importante que todos tomem conhecimento sobre esta doença que prejudica tanto a qualidade de vida da mulher! Desejamos que iniciativas como as do grupo MulherEndo possam servir de incentivo a todos os grupos de endometriose espalhados em todas as partes do mundo!
EndoAmigas disse:
Maravilhoso o trabalho das meninas do MulherEndo. Nós do EndoAmigas fazemos esse trabalho aqui no Brasil (RJ) e sabemos das dificuldades de desmistificar a endometriose. É um trabalho que deve ser feito continuamente, dia após dia. É duro, é difícil, mas vale muito a pena, pois conseguimos ajudar muitas portadoras. Parabéns ao MulherEndo pelo encontro e pelos objetivos e ideais. Grande abraço!
Madalena disse:
Eu também já fui operada várias vezes. Estive quase a morrer. Foi-me prognosticado cancro de cólon. Afinal era endometriose. Quase me matou. Agora está controlada. Mas gostaria de ter mais informação e aderir ao movimento.
DRL disse:
Se as pessoas tivessem informação da gravidade que uma endometriose pode ter não a tratariam de qualquer forma, acho que é por isso que minha amiga está a 2 anos em hospital fazendo cirurgias e cirurgias. Este ano ela já operou 4 vezes e pasmem, uma mulher de 38 anos terá que passar o resto da vida usando colostomia…