Num ponto, estão de acordo os especialistas ouvidos pelo REGIÃO DE LEIRIA: os novos patamares de tributação não tornam o IRS mais progressivo, ao contrário do que diz o ministro das Finanças, podem até favorecer a iniquidade fiscal.
“Com a redução dos escalões o IRS torna-se genericamente menos progressivo”, analisa o advogado José Mirante, enquanto a revisora oficial de contas Telma Curado salienta que “a partir dos 80 mil euros de rendimento anual o imposto é quase proporcional”.
Esta semana, em torno do Orçamento do Estado (OE) para 2013, que foi debatido terça e quarta-feira na Assembleia da República, quisemos conhecer as previsões dos profissionais que conhecem as contas das empresas. E uma primeira leitura aponta para as consequências do enorme aumento de impostos. “Estamos na parte descendente da curva de Laffer. Os aumentos nominais de taxa já não conduzem a incrementos de receita fiscal”, considera Sérgio Pontes, revisor oficial de contas e sócio da Pontes Baptista e Associados.
Sérgio Pontes sublinha que o OE 2013, ao agravar a fiscalidade, “segue a linha dos orçamentos posteriores ao primeiro plano de estabilidade e crescimento”, considerando preocupante o efeito acumulado destas medidas ao longo dos anos, que “subtraem rendimento disponível às famílias, reduzindo o seu consumo e desta forma penalizando as empresas sem vocação exportadora”.
Um OE com potencial recessivo, que agrava impostos e corta deduções, penalizador também em sede de IRC.
“Nomeadamente o aumento dos pagamentos por conta, o aumento das taxas de retenção na fonte ou a limitação da dedutibilidade dos gastos financeiros”, lembra Telma Curado.
Neste ambiente, os gestores devem “melhorar os sistemas de controlo, procurar novos segmentos de mercado e economias de escala que permitam contrariar o efeito negativo do OE e da falta de financiamento bancário”, diz Jaime Guerra, consultor de gestão na JLM.
Contas feitas, sobram dúvidas. “Todas estas medidas com o objetivo de redução do défice, mas será que o défice reduz sem crescimento e será que há crescimento sem consumo interno?”, questiona Dulce João, consultora em contabilidade e gestão.
Depoimentos
José Mirante, fiscalista
“As expressões massacre fiscal, napalm fiscal e outras, infelizmente, não são expressões exageradas. Neste momento a fronteira entre a fadiga fiscal e a não fadiga é de tal modo tão ténue que, senão a atingimos ainda, a qualquer momento poderemos cair nela. Com o Orçamento do Estado para 2013, há um aumento generalizado das taxas. Com a redução dos escalões o IRS torna-se genericamente menos progressivo. A redução do rendimento disponível das pessoas aumenta o risco de não conseguirem pagar o acerto de IRS como já está a acontecer com o IMI. Baixando as deduções aumento o rendimento colectável e consequentemente o imposto a pagar. O efeito recessivo tem-se estado a demonstrar no OE de 2012 e aumentará no OE de 2013, tendo em conta que a lógica do OE de 2012 se agravará em 2013. Concorda com o chamado IVA de caixa. Do meu ponto de vista a regra base da tributação sobre o consumo e sobre o rendimento deveria ser sobre o recebimento e não sobre o facto tributário. A limitação da dedutibilidade dos encargos financeiros nas empresas vai aumentar-lhes a base tributável sujeita a imposto sobre o rendimento e por essa via contribui para o seu financiamento fique mais caro”.
Dulce João, consultora em contabilidade e gestão
“Entendo que o governo de um país tem as funções de gestão e não existe nada pior que avanços e recuos para quem está nessa posição. Imagino uma empresa em que o seu director dá uma ordem de manhã, e à tarde recua, isto dá uma ideia de dúvidas no rumo a tomar, e essas dúvidas passam para a organização provocando instabilidade. É o que se está a passar como o nosso país, os portugueses têm dúvidas e sentem que a o esforço que lhes está a ser pedido vai muito para além dos resultados que lhe são anunciados e nos quais já não acreditam. A austeridade é uma inevitabilidade, todos nós estamos conscientes disso, mas não existem alternativas? Será justo aumentar sempre a tributação do trabalho? Será justo que sejam sempre as prestações sociais a serem reduzidas? Será justo aumentar o IMI, que incide sobre um bem em que a maioria das pessoas investiu o resultado do seu trabalho? Ou será o caminho mais fácil? O Ministro das Finanças diz que temos um IRS progressivo, será que foram feitas contas? É que as minhas contas dão aumentos de 100% logo no primeiro escalão. É preciso ter a sensibilidade para perceber que cinquenta euros a menos num ordenado de seiscentos de fazem muito mais diferença do que cento e cinquenta euros num ordenado de três mil. Existe essa sensibilidade?Será mais do que nunca necessário que quem é responsável pelo processamento de salários tenha em atenção as taxas de retenção a aplicar mensalmente para que os trabalhadores não sejam surpreendidos com valores muito elevados a pagar quando entregarem as declarações, pois de certeza que as pessoas não vão ter condições para pagar e vão existir muitas situações de incumprimento com as respectivas consequências.Será que este governo ao cortar as deduções para o IRS pensou que com isso também reduz o número de recibos pedidos o que faz aumentar a economia paralela?Todas estas medidas com o objectivo de redução do défice, mas será que o défice do país reduz sem crescimento, e será que há crescimento sem consumo interno? E como pode haver consumo interno se as famílias não têm rendimento disponível? O que vai acontecer às micro, pequena e médias empresas que constituem o nosso tecido empresarial? Serão as exportações suficientes para compensar? Penso que não. Uma das medidas amplamente divulgada é a do IVA pelo método de Caixa, esta é desejada e pedida por todos nós há muito tempo, devia dizer agora, finalmente uma boa medida, lamento não o fazer, primeiro: temos de ser responsáveis e perceber que, ou se impõe por lei um prazo de pagamentos, ou os créditos passam todos a incobráveis diminuindo as receitas fiscais, o que neste momento só vem agravar a situação, segundo: então depois de ser anunciada uma medida em que todos os documentos de transporte vão ser emitidos on-line com as finanças, o que vai obrigar grande investimento de dinheiros públicos, vem esta medida anular o que se pretende? Terceiro: aqui uma informação para quem divulga esta medida, “o sigilo bancário para empresas não existe”, aparece como exigência para as empresas aderentes a este método.Já é recorrente os OE preverem limites fiscais para os gastos das empresas, o OE2013 tem um limite para os gastos financeiros que as empresas podem considerar como custo fiscal, o limite é tão elevado que não se aplica à maioria das empresas, o objectivo é apenas atingir as empresas que transferem os lucros de umas para outras através desses gastos, nunca concordei com este método. Das duas uma ou os gastos são verdadeiros e a administração fiscal tem de os aceitar, ou são falsos e tem de existir fiscalização para aferir dessa falsidade e condenar os responsáveis. As demonstrações financeiras têm que ganhar a credibilidade perante terceiros.O que será do nosso país para além do défice? É a pergunta para a qual não obtenho resposta”.
Sérgio Pontes, revisor oficial de contas
“As expressões massacre fiscal, napalm fiscal e outras parecem-me desadequadas na medida em que ao utilizar terminologia de guerra recorrerem a analogias infelizes. As expressões são excessivas para caraterizar o que quer que seja no âmbito destas matérias. Efetivamente estamos na parte descendente da curva de Laffer. Os aumentos nominais de taxa já não conduzem a incrementos de receita fiscal. O OE para 2013 ao preconizar um aumento generalizado de impostos segue a linha dos orçamentos posteriores ao primeiro Plano de Estabilidade e Crescimento, e nesta medida não se identificam grandes alterações estruturais. Preocupante é o efeito acumulado dessas medidas ao longo destes anos, as quais subtraem rendimento disponível às famílias, reduzindo o seu consumo, aliás na linha do verificado em 2012, e desta forma penalizando as empresas sem vocação exportadora. A progressividade [do IRS] significa que na medida em que o rendimento aumenta a taxa também aumenta. A progressividade das taxas visualiza-se numa linha com inclinação positiva. As taxas constantes do OE2013 originam uma reta sensivelmente com a mesma inclinação que a reta existente no período anterior, pelo que a progressividade é sensivelmente a mesma. Contudo, a reta originada pelas taxas constantes no OE 2013 encontra-se acima da reta gerada com as taxas de 2012, representando um aumento de imposto. Note-se que a progressividade penaliza os rendimentos do trabalho, desincentivando o mesmo. Importa notar que os rendimentos do capital são maioritariamente tributados a taxas liberatórias, e portanto não se sujeitam à progressividade. Alguns agregados familiares não vão ter condições de pagar o acerto de IRS no próximo ano? Não tenho dados que me permitam retirar essa conclusão. No entanto, importa notar que as retenções na fonte ao serem ajustadas com base nas taxas efetivas de tributação diminuirão esse eventual efeito, na medida em o rendimento disponibilizado às famílias é líqido dessas retenções. A redução das deduções verificou-se já em 2012, não sobretudo pelo estabelecimento de limites globais de dedução à coleta por escalão de rendimento, mas pelas limitações estabelecidas para determinado tipo de despesas (como saúde e habitação). Um dos problemas dos modelos económicos consiste na impossibilidade de prever com exatidão o comportamento das pessoas. Em termos gerais, a redução do rendimento disponível condicionará a atividade de algumas empresas. Não concordo com o chamado IVA de caixa. Importa notar que o IVA entregue nos cofres do Estado resulta, em regra, da diferença entre o imposto liquidado aos clientes e o imposto deduzido inerente às compras. Sendo o IVA apurado numa base de caixa, e num contexto e cultura de incumprimento das datas de pagamento por parte dos agentes económicos, o efeito para o Estado e para uma parte das empresas é quase nulo. As empresas que cumprem com as datas de pagamento aos seus fornecedores podem sair beneficiadas. Quais os impactos nas empresas das novas regras que limitam a dedutibilidade dos encargos financeiros? Essa regra não afeta cerca de 95% das empresas, dado que são PME. É necessário que os gastos de financiamento sejam superiores a 3.000.000 euros para que não sejam fiscalmente aceites – só nesses casos é que o financiamento das empresas se torna mais dispendioso”.
Jaime Guerra, consultor em gestão
“Penso que as expressões massacre fiscal, napalm fiscal e outras são exageradas mas estamos a atingir o limite da fadiga fiscal. As medidas de austeridade são necessárias face ao estado a que as nossas contas públicas e a nossa dependência em relação ao estrangeiro em termos de endividamento atingiu mas aumentamos cada vez mais o risco de o efeito recessivo das medidas tomadas ser superior ao que é estimado pelas autoridades, provocando uma recessão mais profunda. Não há grandes novidades no OE 2013 e o aspeto positivo que pode ter é um equilíbrio das contas públicas que permita um crescimento mais sustentado no futuro (estou a reportar-me à proposta apresentada pelo Governo, sem nenhuma alteração introduzida depois disso). Quanto ao aspeto negativo na vida das pessoas, penso que ele é evidente pelo enorme aumento no IRS (e de outros impostos como o IMI); principalmente as micro e PMEs que dependem do mercado nacional para sobreviver, será que estas serão fortemente afectadas pela diminuição do poder de compra provocado pelo aumento do IRS. O principal efeito no IRS é o seu aumento para todos e não o aumento da sua progressividade. Como o montante em que se atingem os escalões mais elevados diminui, passará a haver uma taxa muito elevada tanto para as grandes fortunas como para pessoas que, embora tenham rendimentos acima da média, não são tão elevados que se possa falar em progressividade. Alguns agregados familiares não vão ter condições de pagar o acerto de IRS no próximo ano? Penso que isso pode acontecer, principalmente em famílias com elevados encargos face ao rendimento agora disponível e níveis de poupança muito reduzidos ou negativos. Para as empresas que trabalham exclusivamente para o mercado nacional, principalmente para as PMEs com níveis de endividamento elevado (o OE não é o único efeito negativo) existirá um efeito recessivo que obrigará a adotar medidas de gestão que contrariem esses efeitos para conseguir sobreviver. Os portugueses são conhecidos por se conseguirem “desenrascar” mas penso que no próximo ano essa capacidade não é suficiente; as empresas vão ter de se organizar, de melhorar os sistemas de controlo, de procurar novos segmentos de mercado e, conscientemente, procurar parcerias que permitam, através de economias de escala, contrariar o efeito negativo das medidas do OE e da falta de financiamento bancário. Concordo com o chamado IVA de caixa, embora considere que é uma medida de difícil aplicação em empresas que não tenham a contabilidade e a tesouraria devidamente estruturadas”.
Telma Curado, revisora oficial de contas
“A economia demonstra sinais claros de cansaço face ao programa de ajustamento imposto pela troika. No entanto este orçamento, de carácter nitidamente recessivo, mais do que necessário, era a única solução possível, face à decisão do Tribunal Constitucional e à necessidade imperiosa de garantir a credibilidade externa, para voltarmos rapidamente ao financiamento dos mercados. Uma vez impossibilitado de mexer nos subsídios – salários e pensões representam 70% do total da despesa- o Governo fez do IRS o grande protagonista do OE 2013. Note-se que apesar de tudo, há 60 anos que a despesa púbica não baixava em Portugal e em 2012 baixou cerca de 10%. Não considero contudo, que as alterações tenham introduzido maior progressividade no imposto. Pelo contrário, a partir dos 80.000 € de rendimento anual, o imposto é quase proporcional. Além do impacto da alteração dos escalões, não podemos esquecer a diminuição significativa nas deduções fiscais (juros com habitação própria permanente que passa de 591 € para 269 € e rendas, a título de exemplo). Noutras categorias, saliento o desaparecimento da isenção das mais–valias para pequenos investidores ou retenção na fonte nos rendimentos prediais, que passa de 16,5% para 25%, e que passam a estar sujeitos à taxa de tributação autónoma de 28%. Considero o aumento da tributação sobre os rendimentos de categoria A mais gravosa, mas não deixa de ser interessante fazer um exercício de análise da tributação incidente sobre o rendimento de capitais (a título de exemplo, juros de depósitos a prazo) de um pequeno aforrador que obtém uma taxa de 3,5%/ano, que considerando o impacto da inflação de 2,9% e uma tributação que passa a ser de 26,5% a partir de 1 de Janeiro de 2013, é tributado sobre o seu capital e não sobre o rendimento do mesmo… As propostas de alterações em sede de IRC, nomeadamente o aumento dos pagamentos por conta, aumento das taxas de retenção na fonte ou a limitação à dedutibilidade dos gastos financeiros, vêm também trazer agravamentos. Esta última medida propõe que os gastos financeiros sejam dedutíveis apenas até ao maior dos seguintes limites: 3.000.000 € ou 30% do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquido e impostos, reportáveis dentro de um período de 5 anos. Esta imposição poderá tornar-se um fardo adicional nas empresas que não conseguem libertar-se do recurso ao crédito. Contudo, esta medida também pode ser vista duma perspectiva positiva, uma vez que visa combater a subcapitalização das empresas. Limitar fiscalmente o peso dos encargos com juros de empréstimos, funciona como forma de incentivo adicional à redução do endividamento e/ou aumento do recurso a capitais próprios (um problema crónico das empresas portuguesas). Em sede de IVA saliento positivamente a recuperação do valor pago ao Estado nos casos de créditos de cobrança duvidosa, em mora há mais de 24 meses. Por outro lado, a introdução do regime de caixa, da forma que está previsto, parece-me que será uma medida altamente burocrática, além de que está provada que a sua introdução no sector dos transportes não funciona: quem adere fica no regime por um período de permanência mínimo, e mesmo que o cliente não pague, ao fim de 60 dias, o IVA tem que ser entregue. O problema é que o cliente, até proceder ao pagamento, também está impedido de o deduzir, o que levou em alguns casos, à perda de clientes. Algo semelhante se passa no que agora se pretende implementar: o acerto com a AT tem que ser feito no fim do exercício, independentemente do pagamento. Mas enquanto este não ocorrer a dedução fica suspensa a jusante, logo são decisões que devem ser bem pensadas, antes de ser tomadas.Mas a verdade é que somos historicamente resistentes e é na adversidade que provamos essa nossa capacidade. E a prova de que, enquanto portugueses, sabemos que este aperto de cinto mais do que uma necessidade, é um imperativo, é a ausência de distúrbios significativos nas ruas e isso ocorre não porque sejamos um povo de brandos costumes, mas porque sabemos que é preferível “fazer dieta do que passar fome”.