É-me estranha a ideia de ausência de desafios. Todos os dias há algo que de uma forma mais simples ou mais complexa, mais prática ou mais intelectual, mais pessoal ou mais profissional, me desafia. Como se fosse uma espécie de quebra-cabeças ou uma daquelas paciências cheias de pequenas peças que é preciso libertar.
Tentar chegar a uma rua que não se conhece, fazer algo pela primeira vez, a máquina de lavar que se avaria… Entre o desespero, e por vezes alguma raiva, prevalece a vontade de conseguir contornar o obstáculo. A desistência nunca é verdadeiramente uma opção. Quando nos damos por derrotados pelos factos, como por exemplo a máquina que teima em não voltar a trabalhar apesar do nosso olhar fixo para a mesma há mais de meia hora, não é uma desistência real, porque nos continua a preocupar. Fingimos que não. Vamos dar uma volta, e depois voltamos a tirar os parafusos e a lançar de novo aquele olhar às entranhas do objeto, certos de que agora é que é. E isto pode repetir-se indefinidamente.
A vida, na sua essência, também é assim, com bastante mais complexidade, é certo.
E o mundo? É talvez o acumular de todos os desafios e das respostas que damos aos mesmos.
Vivemos tempos bastante complexos, que abalam as certezas, reclamam os adquiridos e nos tornam vulneráveis a todo o experimentalismo das respostas. Vivemos num mundo de pernas para o ar, onde se atribuem prémios da Paz aos responsáveis por uma imensa guerra de austeridade contra os seus próprios povos, onde se sacrificam as pessoas em nome de uma ficção especulativa, os mercados financeiros. Vivemos num país onde se sacrificam os direitos mais básicos de todos em nome de compromissos com a mesma ficção. De um só golpe limitam-nos o futuro e cortam-nos o presente.
As certezas que nos custaram anos de desafios, desaparecem a uma velocidade vertiginosa. O que pensávamos ser conquista civilizacional é esmagado perante a vontade do colosso ficcional. O estado social que demorou anos a construir e garantia que todos tinham acesso aos cuidados de saúde, à educação, à cultura, à segurança social, à justiça, é transformado, num ápice, num mero reduto dos que menos precisam. As respostas estão a falhar no essencial – as pessoas.
Escrever neste espaço foi um desafio pessoal. Escrever hoje, com a mão esquerda, sendo dextra, foi um desafio físico consequência de um outro ainda por vencer. Encontrar respostas para um mundo que faça sentido para quantos nele vivem será sempre um desafio constante.
(texto publicado a 14 de dezembro de 2012)