Em 1972, Helena Carvalhão foi a primeira mulher a chegar ao executivo da Câmara de Leiria. Tinha 45 anos. Foi vereadora da Cultura, inaugurou o Jardim Luís de Camões mas desiludiu-se com a política. Uma experiência que partilhou numa entrevista que o REGIÃO DE LEIRIA publica a propósito do Dia da Mulher.
Como surgiu o convite para a Câmara de Leiria?
Informalmente. O presidente da Câmara, Bernardo Pimenta, era inspetor escolar e conhecemo-nos na escola. Convidou-me e fiquei a pensar. Como sempre tive interesse pela Polis, pela cidade, decidi experimentar. Aceitei sobretudo com a ideia de que havia aspetos camarários que não me agradavam. Fui com a ideia de mudança.
Que idade tinha?
Teria 45. Não querendo atingir pessoa nenhuma, comecei a sentir-me um pouco defraudada pelo sistema. Era tudo muito igual: faz-se assim, faz-se desta maneira, faz-se daquela e eu a puxar para a Cultura, a querer desenvolver as coisas e só ouvia: “Pois, sim, está bem”. Não dava. Lembro-me ir a reuniões amargurada. Mas ia, não gosto de faltar a compromissos.
Desiludiu-se rapidamente?
Logo no princípio senti que as coisas eram demasiado anquilosadas. Uma das minhas ideias era ouvir as pessoas. Diziam-me: “Ah, não, é difícil, isso é muito complicado…”. Era tudo muito complicado. Apesar de tudo não desgostei da experiência, foi curiosa.
Viu alguma iniciativa sua aprovada ou com efeitos?
A inauguração do Jardim Luís de Camões [risos]. E estive na inauguração da Fonte Luminosa! Ainda me lembro da minha figurinha, a descerrar a lápide, que está à entrada do jardim. Lembro-me de outra coisa que consegui que aceitassem: estava a iniciar a construção do bairro dos Capuchos e sugeri que os nomes das ruas iniciais fossem de pessoas culturalmente importantes em Leiria e que fizeram alguma coisa pela cidade: Agostinho Tinoco, Narciso Costa, Paiva Andrade,… Isso ficou. Mas, posteriormente, quando foram abrindo outras ruas, o critério foi outro.
Como foi aceite num meio totalmente masculino?
Não foi difícil. Não houve espanto. Fui bem recebida e bem aceite. Não houve distinção nenhuma.
Nem discriminação positiva?
Não. Nem me preocupou muito. Eu até tinha alguma expetativa, para ver como era recebida uma mulher ali dentro. Mas isso foi logo solucionada, não foi nada de especial.
Sentiu a importância do momento?
Simplesmente pensei: pode ser que agora as mulheres comecem a entrar na vida pública, na vida política, como lhe quiserem chamar. Tenho impressão que foi também por causa disso que disse que sim. Era uma abertura para as mulheres entrarem na vida política da cidade.
E resultou?
Acho que sim. Depois veio o 25 de Abril e as coisas mudaram bastante, e muito bem. Nos dois anos, dois anos e meio em que estive lá, que se pensava: É uma mulher que aqui está, algo diferente. Embora, depois na atuação, a diferença fosse pouca…
Mas a paridade ainda está longe…
Sim, está a demorar. Aliás, olhamos para a Assembleia da República e é aquilo que se vê. Mas quando leio jornais vejo mulheres à frente de câmaras, juntas e noutros campos. Venceu-se uma barreira, mas ainda é pouco. A própria mulher tem de ver as coisas de outras maneira. Pensa-se que a mulher é para estar em casa, na cozinha e a tratar dos filhos. Muitas mulheres interiorizaram isso, da vida doméstica, como se costuma dizer.
É público que é uma pessoa com ideais de esquerda. Como é que aceitou o convite para um cargo político antes do 25 de Abril? Houve conflito com as suas convicções?
Não. Só pensava na mudança, viesse de onde viesse. O que é preciso é mudar. Era fundamental consultar as pessoas, ouvir as pessoas. Hoje não acontece tanto, mas a Câmara era absolutamente fechada no presidente e na vereação.
Tinha alguma ideia política, em termos ideológicos, quando foi para a Câmara?
Não muito. Com o contacto e com a vivência é que foram surgindo. Só havia um partido, a União Nacional, embora houvesse pessoas da oposição em Leiria, intelectualmente bem marcadas. As expectativas foram desaparecendo e, com o 25 de Abril, a Câmara acabou para mim.
Foi um alívio?
Sim, foi. Assim não valia a pena estar lá. Havia outro vereador que estava como eu, também desiludido como sistema. Era o Carlos Pimenta, que depois esteve à frente da Câmara depois do 25 de Abril.
Como foi viver o 25 de Abril como vereadora?
Foi uma confusão toda, então nas escolas… ui! Fiquei um pouco na expectativa, para ver o que era ou não era. O mandato acabou com o 25 de Abril. Foi eleita uma comissão e na última reunião de Câmara já estavam os novos elementos que saíram das assembleias. E para mim acabou.
Teve pena?
Talvez não. Estava mais preocupada com o Liceu, porque a minha vida era escola. Embora a [Câmara] me interessasse, como continua a interessar.
Nunca mais surgiu nenhum convite para voltar à política?
Não. Convites para apoiar sim, mas ativamente não. Apoiei o Partido Comunista, que também me desiludiu um bocado. Estou quase como o Platão: começou com a política, desiludiu-se e foi para a filosofia. Longe de mim comparar-me com o Platão! Mas neste pormenor, eu também me desiludi. Talvez marca da minha formação em histórico-filosóficas, sou uma apaixonada por Filosofia e pela História. Há coisas que sentimos que deviam existir e fazer, socialmente, na Polis e acaba por continuar tudo da mesma maneira, na mesma rotina e isso desilude um bocado. Era muito importante haver evolução.
Apoia algum partido atualmente?
Não, não. Sou um bocado anti-partidária. [Nos partidos] Tem de ser assim, tem de ser assim! Se me perguntarem como é que havia de ser, não sei. Só sei que assim não me agrada!
Manuel Leiria
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt