Isabel Damasceno acabara de ser eleita para o primeiro mandato à frente da câmara de Leiria pelo PSD, em 1997, e recebeu uma oferta de ajuda inesperada da parte da presidente da câmara de Almada, da… CDU. “Não me conhecia, mas disponibilizou-se logo para me ajudar no que fosse preciso. Foi solidariedade feminina”, lembra Isabel Damasceno. Afinal, era a primeira vez que o distrito de Leiria elegia uma presidente de câmara e o auxílio revelou-se útil, sobretudo “a nível técnico”.
Desde 1976 (as primeiras eleições autárquicas em regime democrático), apenas duas mulheres estiveram à frente de um município no distrito de Leiria. A participação feminina está a aumentar, mas a política ainda é um clube maioritariamente masculino.
“Há um desequilíbrio que não se resolve a curto prazo nem de um dia para o outro”, nota Damasceno, hoje à frente do programa “Mais Centro”, que gere verbas do Quadro de Referência Estratégico Nacional.
A par da ex-autarca de Leiria está Maria Fátima Pata. Foi a primeira presidente de câmara no distrito, em Peniche, substituindo José Antunes, eleito pelo PS em 1983. “Foi um mandato engraçado, com sofrimentos e alegrias, como em todo o lado”.
O setor feminino aceitou bem uma mulher no poder, mas os homens nem tanto: “Talvez tivesse alguma sensibilidade diferente para problemas sociais. Mas tive uma oposição feroz, terrível. O meio social era simples…”, recorda.
Eram tempos difíceis em Peniche, devido à dependência da água dos concelhos vizinhos. “Curiosamente, na primeira reunião de câmara, tive uma embaixada de mulheres a bater tampas de tachos e a gritar ‘Queremos água! Queremos água!’. Foi ridículo, magoou-me”. Eram anos dos primeiros dinheiros da Europa e resolveu fazer uma barragem, talvez a sua obra mais marcante. “Fui muito contestada e nem fui convidada para a inauguração . Mas a barragem está lá, o dinheiro foi bem gasto”.
Para Isabel Damasceno, ser presidente “foi um grande orgulho”. “Não era normal e nunca tinha acontecido em Leiria, mas nunca senti qualquer dificuldade nem facilidade acrescida por ser mulher”. Com uma exceção, “o chamado sexto sentido”: “Não quer dizer que os homens não tenham, mas é importante para antever acontecimentos e reações e senti sempre que era útil”.
Na primeira campanha, sobretudo, sentiu o apoio feminino em Leiria, mais “nas freguesias ditas mais rurais”. Hoje, é com satisfação que Isabel vê “variadíssimas candidatas mulheres nos vários partidos”. “É um grande orgulho, porque abri caminho”.
Com a crescente qualificação feminina, Isabel Damasceno antevê que no futuro será atingida a paridade ou, até, a superioridade numérica das mulheres. “O preconceito está completamente ultrapassado. Mas é um processo lento. Há mentalidades a alterar. Sobretudo é preciso vontade das próprias mulheres”.
Memórias da primeira presidente
Nasceu no Brasil, cresceu em Coimbra, saboreou a contestação dos anos 60, foi “mobilizada” para Angola com o marido, voltou a Portugal e à cidade dos estudantes e hoje vive em Peniche, empenhada em projetos de caráter social.
Enfermeira aposentada, Maria Fátima Serra Pata, 73 anos, tem uma senhora história de vida. Em Peniche, convidaram-na a entrar nas listas do PS, para número dois, “se calhar por ser uma pessoa muito sociável”. Ninguém – nem ela própria – imaginavam que, dali a um ano, estava ali a primeira mulher presidente de uma câmara no distrito. Em 1983, “o presidente embrulhou-se numa meada de tal ordem com os clandestinos do Baleal que acabou por desistir”. Maria Fátima Pata assumiu a presidência.
“Eu que nunca tinha sido vereadora a tempo inteiro!”. Mesmo com três filhos em idade escolar, assumiu a responsabilidade. “Desempenhei o melhor que sabia e podia”. Sem maioria, recusou acordos. “Não comprei vereadores para ter maioria e a oposição não me levou a bem”.
Além da barragem, recorda a criação do museu etnográfico na Fortaleza, as escolas pré-primárias, jardins-escola e tempos livres construídos e a instalação do hospital, “agora a ser desmantelado por este Governo”. No pátio da Fortaleza, onde os presos políticos passeavam, lançou um festival onde tocaram Trovante, Vitorino de Almeida e Maria João Pires.
“Foi uma pena que tenha morrido à nascença. Politicamente as pessoas tinham medo daquilo”, diz, referindo-se ao partido. “Havia muito preconceito em relação à cultura. O PS sentiu-se muito incomodado”. Da experiência como presidente guarda “o conhecimento do outro, do ser humano como ele é, com todas as qualidades e defeitos”. Mas não tem saudades da política.
“Hoje há pouca gente com firmeza de princípios e procedimentos, que pense que o bem tem de ser para todos, não só para alguns”. O Banquinho da Ternura, um movimento de apoio a crianças necessitadas, é o que a entusiasma verdadeiramente. Isso e as aulas de Literatura em Língua Portuguesa que ministra na Universidade Sénior de Peniche. “São os meus meninos”.
(Notícia publicada na edição de 20 de abril de 2012)
Manuel Leiria
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt