Há 30 ou 35 anos nada acontecia de marcante nesta altura do ano em S. Pedro de Moel. Era a silly season… Mas lembro-me dos namoricos e das noitadas a ver estrelas cadentes, e da noite na discoteca até a padaria abrir para comprar o pão-doce, depois os belos pastéis de nata que saciavam a nossa fome do mundo e a dilatação do nosso estômago depois de tantas horas a “abanar a cabeçita” na pista do velho Bambi.
Estou no meio de outra estação, e agora falam-me e fala-se de festivais a toda a hora e de todo o tipo: música, ballet, poesia, futebol, rock, esculturas na areia, de gastronomia de leste e oriente, de Pilates e Yoga sensatos, de cavalos a dançar, de tremoços e pevides dentro de saquinhos… festivais vários de um mundo a crescer neste primogénito, sem ser palerma e sem ter medo das medonhas crises – menores ou maiores do que as Guerras Mundial, e a fria ou a quente?!
E como tenho o posto da minha idade e da minha função académica, o João pediu-me colaboração na escolha de poemas de Afonso Lopes Vieira (ALV) para acompanhar um festival, entranhados nos caminhos da volta aos 7 km, fazendo do ‘meu’ Poeta um poeta mais perto de nós, e da Natureza oferecida a olhos famintos de maravilhas como a ponta de um milagre… Sou suspeita. O meu avô era anarquista e eu só me batizei aos 31 anos, mas gosto do João e explica-se: faz o pão que se come em minha casa há mais de 25 anos e convenceu a(s) mulher(es) teimosa(s) a usufruir dos seus maravilhosos pastéis de nata antes de fazer 50 anos; continua a chamar-me menina e guarda-me o jornal ao domingo; recomenda aos filhos que ouçam as histórias de animais, soltas, entre a conversa e os degraus das escadas. Se homens como este – em associação PROTUR SPM – podem fazer o que a Câmara da Marinha Grande não pode por falta de verba orçamental e de funcionários, então o povo-povo, esse mesmo que sempre fez o pão para todos comermos, deve fazer com que a vida saia da monotonia, uma silly season enriquecedora das nossas memórias culturais, como o foram os dois festivais que no final dos anos 50 e inicio dos 60 o querido mestre Joaquim Correia deu a S. Pedro de Moel, transformando as ruas num museu e o sítio das árvores na plateia de um teatro.
Desejo – e muito – que tudo corra bem nos três dias deste festival, que encerra o verão em S. Pedro de Moel. Que deixe saudades de futuros festivais e desejos espantados de reconhecer e ler diferentemente – ao calor duma lareira no inverno – a poesia de ALV, que a Imprensa Nacional – Casa da Moeda há de (talvez!…) um dia editar, como está prometido há mais de 5 anos… Festejemos, pois!
De todos os profissionais, parece-me o jornalista quem mais próximo está do padeiro: trabalham para os outros comerem/lerem de manhã; por necessidades escatológicas da vida, não podem parar nunca. Perdoem-me e perdoem ao João.
(texto publicado na edição de 28 de agosto de 2014)