Qual a probabilidade de uma condessa francesa, nascida nos Estados Unidos, que já foi modelo fotográfico e vive apaixonada por jardins e botânica, escolher o recôndito lugar de Sobreiro, encravado na serra de Pedrógão Grande, como refúgio? Mais: rendidos à paisagem e tranquilidade deste recanto do “interior”, os condes de La Panouse encontraram na pequena igreja de Santa Catarina, em Vila Facaia, o cenário idílico para celebrar religiosamente uma união e aventura de 44 anos.
A missa de casamento celebrou-se a 19 de julho último. Entre os cerca de 70 convidados, entre familiares e amigos próximos, marcaram presença as suas testemunhas, o conde de Paris, duque de França, viscondessa Carole de Beaurepaire e Patrick Louppe. A festa realizou-se na Quinta das Mil Flores que Annabelle de La Panouse adotou há cerca de sete anos.
As 250 roseiras oferecidas pelos convidadas ultrapassaram todas as expectativas da condessa que apenas incluiu uma seleção de rosas na lista de prendas de casamento. Annabelle aguarda agora a criação de um espaço suficiente, que estima em 500 m2, para criar um jardim memorável.
Quanto ao dote da noiva, somam-se as 40.000 árvores e arbustos que plantou em Thoiry e Colombier e “que prosperam, independentemente da crise económica, e pelos quais ganhou o rótulo de ‘Jardim Notável’”.
Este bem poderia ser o guião de um conto de fadas, não fosse real. Annabelle de la Panouse nasceu Anne Marie Burleigh, em 1942, em Oakland, estado da Califórnia. Cresceu no Minnesota, sem pai, conquistando desde cedo uma certa rebeldia que sempre a distinguiu.
Na sua biografia, que divide com a história “indissociável” dos seus jardins, assinada pela jornalista Bettina de Cosnac, a condessa recorda uma fuga de casa aos 15 anos para trabalhar numa fábrica de confeções.
Embora sem interesse pelos estudos, a sua inteligência e perspicácia não passam despercebidas aos professores. Desafiada a realizar exames de admissão para a universidade, é admitida antes de concluir o liceu, mas nunca deixa de trabalhar, seja num restaurante seja numa agência de detetives.
Aos 19 anos, casa com um iraniano e muda-se para Manhattan. O casamento não corre contudo de feição. Ela, que tanto valoriza a sua liberdade, sente-se prisioneira do marido e decide escapar.
É então que Anne Marie inicia a sua carreira como manequim sob o nome de Annabelle Leigh. De novo apaixonada, a jovem aproveita uma oportunidade de trabalho para viajar até França e reencontrar Philippe Lorin, em 1967. Um ano depois contudo, a tragédia bate-lhe à porta. Acabara de ficar noiva quando Philippe perde a vida num acidente de viação.
O encontro com Paul de La Panouse acontece em 1969 por puro acaso, recorda hoje, com um sentido de humor a toda a prova e de riso aberto – um riso “brilhante e luminoso” que seduziu de imediato Paul de La Panouse, ainda antes de conhecer a jovem de 27 anos, que viria a partilhar a vida com ele.
Cativada pelo original convite do visconde para ver os seus leões, Annabelle apenas viria a reencontrá-lo meses depois, mas não quis casar. Entre desencontros, um casamento, um divórcio e o nascimento de Colomba, filha de ambos, as histórias de Annabelle e Paul de La Panouse voltam a cruzar-se. Casam-se em maio de 1976.
Viscondessa de La Panouse, Annabelle procura o seu lugar numa família de origens seculares. Encontra-o nos jardins e deles faz um projeto de vida, que concilia com as suas funções no seio do grupo que gere o património da família.
Mas porquê Pedrógão Grande? Foi um puro acaso. Era Portugal ou a Roménia, conta com o humor e a simplicidade com que nos recebeu. Uma forte crise de artrite levou-a a procurar uma zona de clima mais favorável à sua saúde.
Uma pesquisa na internet apontou-lhe o caminho. Encantada com a morfologia do terreno, as hipóteses que este lhe oferecia e as laranjeiras, não teve dúvidas. Sentiu de imediato uma ligação “visceral”. O resultado está à vista: mais de 1.300 plantas e árvores diferentes, quase todas etiquetadas, embelezam hoje o espaço que contorna as edificações que foi recuperando.
“Aqui sou livre, faço o que quero”
É nos jardins que Annabelle de La Panouse se reencontra. A infinidade de temas que brotam da sua imaginação não tem limites. E se nos jardins dos castelos de Thoiry e du Colombier, teve de respeitar o peso da história na restauração dos espaços envolventes, na Quinta das Mil Flores, em Pedrógão Grande, dá largas à sua criatividade.“Aqui sou livre, faço o que quero”, confessa, ela que importou da China o pavilhão sino-indiano, cujo branco se destaca entre uma paleta infidável de verdes e outras cores.
Aberta ao público, a Quinta das Mil Flores conta com a prestimosa atenção de Fátima Antunes, o braço direito da condessa, que, na sua ausência, cuida da casa e do jardim.
Nas últimas semanas, Annabelle de La Panouse tem-se desdobrado em sessões de autógrafos e de apresentação da sua biografia em França.
No próximo dia 21 de novembro, participa em mais uma iniciativa, na livraria Lello e Irmão, no Porto. E porque não gosta de avião, prefere fazer a viagem de carro. “Oficialmente estou na reforma, mas nunca trabalhei tanto. a A ideia de que a nobreza não trabalha não é de todo verdade”, sorri.
Martine Rainho
martine.rainho@regiaodeleiria.pt
Joaquim Dâmaso (fotografias)
(Reportagem publicada na edição de 30 de outubro de 2014)