Nos nossos dias, em que as siglas dominam o ambiente respirado (e tantas vezes problemático…), a dos 4 R é uma missão importante na salvaguarda atenta do que ainda temos e queremos continuar a ter. No Reduzir, Reutilizar, Reciclar e Recuperar inscrevem-se quatro das ações que todos os cidadãos devem fazer suas para que as gerações futuras encontrem um mundo harmonioso e são. Isto quer dizer que, pelo menos, já temos a consciência de que nem tudo vai bem com a nossa maneira de viver, e há que mudar algo dela se desejamos que o lugar do futuro tenha viabilidade.
Vem isto a propósito de dois pequenos livros para crianças que apareceram recentemente nas nossas montras: Vendedor de Sapatos, história e ilustração de Nídia Nair e A Cegonha Cor-de-Rosa, história de Célia Sousa e ilustração de Rui Lobo. No primeiro livro a ideia da criação de um “banco de sapatos” – para poderem ser usados por outras pessoas – os que já não nos servem; ou dos “Sapatões” – ecopontos para calçado danificado poder ser reciclado – são algumas das ideias propostas para a política dos 4 R.
No livro A Cegonha Cor-de-Rosa há a missão especial de dar a ver um mundo de crianças com PEA [Perturbação do Espectro do Autismo], embora o público-alvo se situe muito mais nos adultos e pais com problemas nesta área. Parte-se de alguns valores pragmáticos, relacionados com as incapacidades de vários tipos de lidar com problemas desta ordem, para se chegar a uma crença fundamental: “é possível mudar a maneira de encarar a deficiência” e os autores acreditam na diferença que um livro ou um brinquedo possa fazer. Este grupo de valores e de crenças gera emoções positivas, de clara compaixão por certos temas tabu e cria a necessidade de enfrentá-los. Assim se chega a um comportamento base: a realização deste livro (ou outras campanhas, como “mil brinquedos, mil sorrisos”) que espera resultados – a visibilidade para o exterior e o apoio humanitário a associações locais como a APPDA (Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo) – Leiria e a criação de um CAO (Centro de Atividades Ocupacionais) e um Lar Residencial.
Perante este gesto, a noção de propriedade perde a sua dimensão. Felicidades aos livros mais do que aos autores/ilustradores: o mais importante é o que o livro vai conseguir fazer, sempre através da sua utilização. Daí que o foco – a habitação de ambos os livros – seja o uso que deles se fará, muito mais do que a propriedade de quem os realizou.
(texto publicado na edição de 20 de novembro de 2014)