Hoje não há aulas de música nem de dança no Orfeão de Leiria: professores e funcionários associam-se a um protesto a nível nacional e paralisaram as aulas durante um dia, contestando o atraso de seis meses no pagamentos das verbas comunitárias do Programa Operacional Potencial Humano (POPH) por parte do Estado, que inviabiliza o pagamento de ordenados na instituição há três meses.
O protesto começou às 8h30 e prolonga-se até ao fim do dia, estando os professores e funcionários vestidos de preto à porta da instituição, que ostenta na fachada uma faixa preta, simbolizando o luto pelo ensino artístico. A banda sonora é o “Requiem”, de Mozart.
Comunicado divulgado pelos professores e funcionários de várias escolas do país:
Ensino Artístico Especializado em ruinas
O esquecimento e desinvestimento recorrentes a que o Ensino Artístico Especializado tem sido votado nos últimos anos, são tão inaceitáveis quanto merecedores da nossa indignação, dada a possibilidade, por via do abandono, de um gradual esvaziamento dos meios e mecanismos que poderão conduzir à extinção das práticas de ensino na área das artes no nosso país. De um modo, ou de outro, escolas públicas e privadas estão a deparar-se com dificuldades no seu funcionamento, entre outros constrangimentos, a nível financeiro, na contratação de professores e na falta de manutenção de instalações, de que é exemplo a imagem da degradação da Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa, recentemente vinda a público.
Segundo dados facultados pela AEEP, o ensino artístico especializado tem a sua maior expressão no Ensino Particular e Cooperativo, onde atualmente se incluem cerca de 106 escolas, contra 6 públicas, para um total de cerca de 25.000 alunos financiados diretamente pelo estado, dos quais 15.000 do POPH e 10.000 do Orçamento Geral do Estado. Isto, não contabilizando os alunos que não recebem qualquer tipo de apoio e que se estima chegue aos 50000 alunos. Lecionam nestas escolas, pelo menos, 3.000 professores, num contexto de uma procura crescente deste tipo de ensino por parte da população em idade escolar.
2010 marca o primeiro corte significativo nas verbas do orçamento geral do estado destinadas ao ensino artístico. Em 2011, o financiamento do ensino artístico especializado passa do orçamento geral do estado para o Programa Operacional para o Potencial Humano – POPH (à exceção das escolas públicas e da área da grande Lisboa) comparticipado pelo Fundo Social Europeu. Esta mudança do modelo de financiamento foi em si extremamente lesiva para estas escolas, estando simultaneamente sujeitas à legislação do Ministério da Educação e do financiamento europeu, que chega por via do Ministério do Emprego, cujo modo de funcionamento e legislação não está em conformidade com a Portaria que Rege o Ensino Artístico Especializado e com as leis laborais (Contrato Coletivo de Trabalho e Código do Trabalho), ao ponto de algumas escolas já terem encerrado e outras estarem em risco de encerrar.
Esta situação é ainda agravada pelo facto de existir um hiato de tempo entre o encerramento do POPH e a entrada do novo Programa, o POCH, que só inicia em Janeiro de 2015, cujas regras ainda não estão publicadas e cuja mudança não foi devidamente acautelada, deixando as escolas sem previsão orçamental.
As escolas do Ensino Artístico Especializado afetas a este tipo de financiamento, estão a iniciar o 4o mês de funcionamento e até à data ainda não receberam o reembolso do saldo final relativo ao ano letivo transato, o adiantamento (15%) relativo ao presente ano letivo, nem as verbas do contrato patrocínio, provenientes do Ministério da Educação, o que não é sustentável nem para as escolas, nem para o pessoal docente e não docente que resiste às condições de precaridade e de vencimentos em atraso a que está sujeito por via da desorçamentação destas escolas.
As Escolas do Ensino Artístico Especializado prestam um serviço público garantindo uma formação artística de qualidade, para além de funcionarem como polos de dinamização cultural e económica das regiões em que se inscrevem. O seu impacto social reflete-se não só nos postos de trabalho que representa, mas sobretudo na salvaguarda do direito ao acesso ao Ensino Artístico Especializado por parte da população escolar, como na garantia da possibilidade de prosseguimento de estudos, respeitando a condição consagrada por Lei do direito à educação e à cultura. Considerando a arte como património da humanidade e a cultura a memória coletiva de uma nação, pesa ainda, sobre esta realidade, o risco de vermos na degradação das condições do Ensino Artístico Especializado, como na memória do país, uma futura ruína.