Uma amiga minha recebeu parte de uma casa como herança. Era de um familiar que já não tinha ninguém próximo. A outra parte da casa ficou para uma IPSS. Agora têm que tirar tudo de lá: roupas, objetos, pilhas de slides (fotografias), etc. Ninguém conhece os elementos das fotos por serem tão antigas e o destino natural de tudo aquilo é o lixo.
Há 80 anos todos aqueles que aparecem nos slides estavam neste mundo e agora nenhum está e ninguém os conhece. Quanto aos objetos que tiveram significado para alguém, agora, para quem os conhece, não têm.
Não sou de acumular tralha. Nem souvenirs, nem postais, nem selos, nem roupa velha. É verdade que os objetos nos ligam a experiências e ajudam-nos a revivê-las. E claro, parece sempre que vamos precisar daquilo no futuro antes de deitar algo fora ou oferecer. Enquanto vivi em modo “guardar tudo até que o objeto se torne inútil” sentia que estava lento, desorganizado, era difícil mudar só de pensar no trabalho de arrumar todas as coisas que não queria perder. O meu cérebro tentava constantemente lembrar todos os objetos que eu não queria perder ao longo do tempo e isso tirava-me energia e tempo. Perceber que as minhas memórias existem por si só ajudou no processo. Acho que as conseguimos invocar quando precisamos. Não há grande essência nisto. A história das pilhas de slides para o lixo fizeram-me pensar nas coisas e na forma como vivemos o “hoje”. Fiquei mais descansado por perceber que tento usar mais o meu tempo a criar as melhores memórias de hoje e a viver o melhor que consigo.
O tempo é mesmo o melhor que temos. Façamos o melhor possível com ele. Tempo não é dinheiro. Nunca foi nem vai ser.
PS: Esta viagem de dois anos e muitas crónicas tem sido alucinante. Obrigaram-me a aprender e estou grato pela experiência. Esta crónica fecha o ciclo. OBRIGADO.
(texto publicado na edição de 18 de dezembro de 2014)