A poesia, como a conhecemos, dizia pouco aos surdos até há pouco tempo. “Não se interessavam, nem sabiam o que isso era, porque parecia uma história cantada”, conta Ana Isabel Chavinha. Mas quando a professora de Língua Gestual Portuguesa (LGP), surda, ouviu pela primeira vez um poema em língua gestual, descobriu um mundo novo.
“A língua gestual, com a expressão, o movimento e o ritmo, consegue dar uma outra riqueza [ao poema]. A primeira vez que ouvi um poema em língua gestual fiquei arrepiada”, lembra Ana Isabel Chavinha.
Há alguns anos começou a investigar-se como fazer poesia visualmente, através da Língua Gestual Portuguesa. Porque há que fazer os poemas de raiz: porque os dos ouvintes podem ser adaptados, mas a tradução literal é complicada. “Se o texto é muito complicado, com palavras muito elaboradas, não conseguimos compreender”.
Por isso, a poesia para surdos ganha vida naturalmente pelos gestos, mas também através de muitas expressões faciais. Desde há dois anos que a Associação de Surdos da Alta Estremadura se tem dedicado a criar esta poesia para quem não ouve. Ela é ensinada, em Leiria, a crianças do Agrupamento de Escolas D. Dinis.
Na semana passada, dois alunos surdos disseram poesias em Língua Gestual Portuguesa na Biblioteca de Leiria, no âmbito da Semana da Leitura para Todos.
“O que fizémos foi uma criação de poemas em LGP, onde não há a interpretação directa para português escrito. Como os adultos conseguem compreender mais facilmente os conceitos, para as crianças tivemos de os ensinar e treinar várias vezes, também para eles perceberem que, sendo surdos, podem ter a sua autonomia e ser declaramadores de
poemas em LGP”.
Teatro surdo. Nem só à poesia chega a LGP. A provar que a cultura é cada vez mais inclusiva, o Castelo de Leiria recebeu – também na Semana da Leitura – o Grupo Apollo e a peça de teatro “Leandro o Rei de Helíria”. Com uma particularidade: 13 tradutores de LGP seguiram os actores pelos espaços do castelo onde foi interpretada, “legendando” a acção para o público surdo.
“Foi a primeira vez que algo assim foi feito”, sublinha Ana Isabel Chavinha, que não esconde a satisfação pela raridade: “As crianças surdas compreenderam que o rei estava zangado ou que o príncipe se ia casar com a princesa”. Privilégios que “acontecem diariamente com os ouvintes”, mas habitualmente estão vedados a quem não ouve.
Estes avanços deixam “muito satisfeita” a professora de LGP, mas há outras conquistas a caminho. Na poesia, há que pegar em poetas famosos e adaptá-los para LGP, tal como é feito em Lisboa ou no Porto. No teatro, a ASAE tem outro “guião”: fazer peças direccionadas de raiz para os surdos.
Carmelia Vaz disse:
Muitos parabéns!Continuem com mais iniciativas.Felicidades!