Um laboratório que imita uma farmácia, um espaço fabril com 200 metros quadrados, equipado com o material mais recente, uma oficina para fazer a reparação de automóveis…Na Escola Tecnológica, Artística e Profissional de Pombal (ETAP), cada um dos cursos tem instalações devidamente equipadas para que os alunos possam pôr em prática os conhecimentos adquiridos e trabalhar num ambiente semelhante ao que irão encontrar no mercado de trabalho. Praticidade é de facto a palavra-chave do ensino nesta escola e em muitas outras da região, viradas para a profissionalização.
“Apostamos em ter um ensino que permita uma aprendizagem útil para a vida dos jovens e para as empresas da região e que, simultaneamente, desperte o gosto por aprender”, vinca Jorge Vieira da Silva, diretor geral da ETAP.
A ETAP foi criada em 19 de setembro de 1989 e surge como a primeira escola profissional de Portugal, com o objetivo de formar jovens qualificados a fim de suprir as carências de quadros intermédios sentidas na região Centro e, em particular, no concelho de Pombal. Funciona como a “primeira empresa para os alunos”, na qual têm também contacto com empresas reais e aprimoram os conhecimentos e a técnica consoante o que é pedido no mercado de trabalho. A intenção é mesmo essa, preparar os alunos “para o mercado de trabalho, permitindo o desenvolvimento de competências técnicas e pessoais, relevantes para a indústria”, resume Jorge Vieira da Silva.
O estigma de que apenas os alunos com menos capacidades intelectuais seguem pela via do ensino profissional tem vindo a perder peso, mas há quem ainda rotule o ensino profissional desta forma. Na ETAP, o estigma é posto de lado: o estabelecimento de ensino prefere focar-se “no quão diferenciador pode ser um curso profissional na vida de uma pessoa, nas suas vantagens e mais-valias”, tais como a dupla certificação; o facto de ser um ensino mais prático e motivador; a existência de estágios nos três anos do curso, em empresas de referência; a realização de estágios internacionais na Europa, e o facto de os cursos terem elevada empregabilidade.
Nesta escola, a taxa de empregabilidade é superior a 97%. “Todos os cursos ligados à indústria da região têm uma maior taxa de empregabilidade, como os cursos de Transformação de Polímeros, Programação e Maquinação (CNC), Mecatrónica, Eletromecânica, Mecatrónica Automóvel, mas também Auxiliar de Farmácia e Vendas”, indica o diretor geral.
DA ETAP para a BoostPortugal
Leonel Soares, natural de Carnide, concelho de Pombal, é um dos ex-alunos da ETAP que prova que o ensino profissional abre muitas portas e não limita os horizontes. “É possível as pessoas entrarem num curso profissional e ambicionarem ter uma empresa”, frisa aquele que é um dos fundadores da Boost Portugal, empresa líder em Portugal na organização de eventos, team buildings, animação turística e ativações de marca, estando presente no mercado há mais de dez anos.
O percurso de Leonel começou na ETAP, no curso de Eletrónica Áudio, Vídeo e TV, que tirou entre 1996 e 1999. Na altura, conta, escolheu o curso porque alguns amigos também iam e possibilitava a entrada imediata no mercado de trabalho. “Gostava de tudo o que era relacionado com a eletrónica e o curso acabou por ser uma mais-valia, por ser muito completo”.
Durante o curso, Leonel realizou alguns estágios em empresas de manutenção de componentes eletrónicos e quando concluiu a formação, começou a trabalhar numa empresa de manutenção de máquinas elétricas em Leiria. “O eletricista normal não tinha competências para este tipo de trabalho e eu consegui ficar na empresa”, explica.
Ficou por lá até 2007 e durante esses anos percebeu que, “para dar um salto na carreira profissional”, precisava de mais conhecimentos teóricos. Desafiou, então, um colega da ETAP, a tirar a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica na Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Politécnico de Leiria, em regime pós-laboral. Conta que foi desafiante fazer as provas de matemática para ingressar, mas conseguiram.
Terminada a licenciatura, Leonel decidiu montar o seu próprio negócio em Lisboa com um amigo de infância de Carnide. Assim nasceu a Boost Portugal, que começou pela aposta nos “Go car”, uns carros amarelos que são alugados para a realização de percursos pelas cidades. É a própria pessoa que alugou o carro que o conduz pela cidade com o auxílio de um GPS, o qual dá indicações sobre o percurso mas também sobre os pontos turísticos na cidade. “Isto em 2007/2008 era uma coisa extremamente revolucionária, porque era o primeiro GPS guided tour”.
Leonel e o sócio compraram o master franchise da marca originária de São Francisco, e lançaram-no em Lisboa. A partir daí, começaram a implementar todo o sistema de raiz: compraram os carros, implementaram rotas, criaram percursos e conteúdos turísticos, fizeram parcerias. “Hoje é muito fácil de fazer, mas na altura era um desafio, ter de fazer os testes para nos certificarmos de que as rotas estavam corretas…o desafio dos prédios altos, das ruas pequenas”.
Este foi o primeiro passo dado pela Boost Portugal, que atualmente “emprega mais de 200 pessoas em Portugal e fatura vários milhões”. Nos últimos anos, a empresa cresceu para diferentes segmentos nas áreas de turismo, logística e manutenção de equipamentos elétricos, no catering e restauração e na área da internacionalização com o projeto “Spinach Tours”, que representa a evolução do “Go car” para um carro verde, elétrico, com a mais avançada tecnologia de interatividade nas cidades. O projeto está em curso em Lisboa, Funchal, Albufeira e, em breve, Sal, em Cabo Verde, Sevilha e Málama.
Leonel diz que este percurso foi possível porque houve muito trabalho, mas também graças às bases que lhe foram dadas no ensino profissional na ETAP, que já em 1996 “tinha uma componente prática muito forte”. Daí que Leonel nunca sentiu falta de conhecimentos práticos e teve sempre bons resultados. Apenas decidiu tirar uma licenciatura porque sentia que faltava uma componente mais académica, que seria necessária para se tornar engenheiro. “Se quisesse ter ficado por ali [na primeira empresa onde trabalhou], não havia mal nenhum e a componente prática tinha sido exímia, com imensa experiência e que me abriu diversas oportunidades”.
“Saímos da ETAP muito bem preparados, alguns colegas seguiram o ramo da eletrónica e o conhecimento de como é que as componentes funcionavam ainda perdura e é uma mais-valia”.
Aos 42 anos, Leonel diz que aconselha vivamente a escolha de um curso profissional para quem quer entrar logo no mercado de trabalho. Gostava, apenas, que as escolas profissionais pudessem ter mais cursos de continuição, até mesmo para as pessoas mais velhas, como se fosse o mestrado ou a pós-graduação do ensino superior.
Curso “mais evoluído, mais tecnológico”
Filipe Soares também seguiu um pouco as pisadas do irmão Leonel. Habituado a vê-lo mexer em componentes de eletrónica em casa, decidiu ir estudar para a ETAP e tirar o curso de Eletrónica/Comando (semelhante a Eletrónica Industrial). Recorda-se que não queria estudar mais, mas os pais obrigaram-no a tirar o 12ºano. Como estava rodeado de pessoas que já trabalhavam, ansiava mesmo pela entrada no mercado de trabalho. Seguindo os conselhos da família, continuou a estudar e aos 14 anos entrou então na ETAP, onde esteve entre 2002 e 2005.
Apesar de não se esforçar muito – “só andava lá para passar o tempo” -, diz que o curso correu bem. E terminados os estudos, conseguiu logo trabalho numa empresa de eletricidade e canalização, na terra natal. Tinha a possibilidade de ir para a universidade, mas não quis.
Trabalhou durante cerca de 12 anos na empresa em Carnide e tirou várias formações ligadas à área, para reforçar competências.
Em meados de 2014, mudou-se para Lisboa para se juntar ao irmão na Boost Portugal, como responsável por obras. Atualmente, aos 36 anos de idade, é responsável pelas infraestruturas e manutenção dos veículos da empresa.
Olhando em retrospetiva, Filipe considera que o curso na ETAP deu “as bases necessárias” para o trabalho seguinte. E os CET’s que tirou ao longo dos anos, foram “importantes para fundamentar o que já tinha aprendido”.
No entanto, assim como o irmão, sentiu necessidade de tirar uma pós-graduação em “Gestão aplicada a gestores de pequenas e médias empresas”, de forma a aprimorar conhecimentos para o cargo que estava a desempenhar na Boost Portugal.
“Fui conquistando o meu espaço e fui mostrando às pessoas o meu valor. Adquiri inúmeros conhecimentos ao longo de toda a minha carreira e ninguém olha para mim como sendo inferior, por não ter um curso de ensino superior”, sublinha.
Entretanto, Filipe também já regressou à ETAP, à época para mostrar os “Go Car”, e notou que a escola está mais evoluída. “Está completamente diferente, notava-se na cara dos alunos, que tinham gosto em mostrar o que estavam a fazer. Na minha altura, não nos importávamos muito com os estudos e quando saí da ETAP ela estava um bocadinho obsoleta”.
E acrescenta: “Agora recomendo mesmo a escola, estão a criar cada vez mais condições e cursos para profissões importantes, que são necessárias hoje. Em Lisboa, visitei algumas escolas profissionais e vi o mesmo que via em 2005 na ETAP: obsoletas”.
Quanto ao curso de Eletrónica propriamente dido, considera que está também “mais evoluído, mais tecnológico”, acompanhando a evolução da sociedade. E “há uma maior vertente prática direcionada para o mercado de trabalho”.
Balanço entre a teoria e a prática
Carina Coelho, natural de Vieira de Leiria, também optou por concluir o secundário num curso profissional. A jovem de 27 anos sempre quis seguir turismo marítimo e “tinha ouvido falar muito bem da EPAMG” (Escola Profissional e Artística da Marinha Grande), “sabia que tinha muito a parte prática” e foi por isso que optou pelo Curso Técnico de Turismo naquela escola. Frequentou-o entre 2013 e 2016, período durante o qual teve a oportunidade de participar em várias atividades, fez um estágio internacional, de um mês, numa atração turística em Inglaterra, e um estágio num hostel no Algarve. O último estágio que realizou foi no grupo Pestana, onde começou pelo cargo de guest relations (responsável pela gestão de reclamações, fidelização de clientes, reservas e marcações). Depois do estágio, manteve-se por lá e passou para a função de rececionista.
Dois anos depois, em 2019, conseguiu trabalho na área dos cruzeiros marítimos, que era a sua intenção desde o início. “Tinha de ganhar um pouco de experiência antes de poder embarcar, em 2019 já tinha essa experiência e a idade mínima de 21 anos”.
Atualmente, é assistente de direção na DouroAzul, uma companhia de cruzeiros fluviais. Conta que decidiu mudar para cruzeiros fluviais “para estar mais perto de casa”, porque tem dois irmãos pequenos com autismo.
Carina diz que não se arrepende nada do percurso que fez até agora, incluindo a escolha do ensino profissional: “Não me arrependo de todo. Fui muito bem acompanhada pelos professores, sempre tive todo o apoio que precisei. Estou muito grata pela oportunidade que tive de estudar lá e pelas pessoas que acreditaram em mim e viram o meu potencial”.
Além disso, nota, levou uma boa bagagem da EPAMG. Ao contrário de outros funcionários que vão entrando na empresa onde trabalha, Carina tem facilidade em lidar com os clientes e lida bem com situações de stress: “A EPAMG prepara-nos muito para essa abordagem e quando comecei não senti dificuldades. Senti-me preparada para interagir com os clientes”, reforça.
Uma outra vantagem do curso na Marinha Grande é o “balanço entre a teoria e a prática”. “Em muitos cursos isso infelizmente não existe”.
Quanto à progressão no estudos, a jovem ainda pensou em tirar uma licenciatura, pressionada pela “mentalidade de que se não tivermos uma licenciatura não chegamos a lado nenhum”, mas com a entrada imediata no mercado de trabalho e a boa progressão na carreira, tendo passado de guest relations para assistente de direção, já excluiu essa hipótese.
Agora, Carina está focada em encontrar uma vaga de trabalho mais perto de casa, em hotelaria. Quer sair da vida dos cruzeiros e estabilizar, mas sabe que não será fácil, porque a maioria dos hotéis em Leiria “têm bastantes anos e têm as suas equipas completas e fixas”. Entrar para um cargo de supervisão será difícil, mas a jovem não pretende retroceder no percurso que fez até agora.
Ensino profissional facilita percurso universitário
Para Francisco Venâncio, das Caldas da Rainha, o ensino profissional revelou-se bastante vantajoso para entrar no ensino superior. O jovem de 20 anos tirou o curso de Técnico de Produção Agropecuária na Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Cister de Alcobaça (EPADRC) e entrou este ano letivo na universidade em Coimbra, na licenciatura em Engenharia Agropecuária. No que diz respeito às cadeiras práticas que tem agora no curso, reconhece que leva “uma grande vantagem” em relação aos colegas que não frequentaram o ensino profissional.
Na EPADRC, Francisco aprendeu a fazer um pouco de tudo: a vindimar, cultivar, trabalhar com um trator. Teve inclusive uma disciplina sobre produtos fitofarmacêuticos, que diz ter sido bastante útil. Apesar do primeiro ano do curso ter sido atípico, por causa da pandemia de Covid-19, refere que gostou muito do curso.
No estágio, teve a oportunidade de trabalhar numa clínica veterinária destinada a animais da quinta e é lá que continua a fazer algumas horas por mês, enquanto estuda.
Francisco Venâncio aconselha qualquer pessoa a frequentar o ensino profissional, até mesmo quem pretende ir para a universidade, tal como ele fez. “Acho que vale a pena tirar um curso profissional na área que depois se quer seguir na universidade. Vamos melhor preparados e já com três anos de formação”.
Para quem quiser entrar logo no mercado de trabalho é também a “melhor via”, “porque aprendemos a fazer tudo e obtemos uma dupla certificação”, conclui.