Perdemos o futuro. Não foi de repente. Foi devagar, ao longo de décadas de abundância e desgoverno. Foi em ondas, cada uma mais forte do que a anterior, afastando a esperança para lá do horizonte.
Os modelos capitalista e democrático foram-se virando, autofagicamente, contra quem os sustentou: os cidadãos que votam e consomem, a ampla classe média que se viu repentinamente reduzida ao que estruturalmente sempre foi: povo. E o povo, hoje como sempre em qualquer modelo político e económico, é quem paga os excessos de quem o governa governando-se. E o povo, hoje como sempre depois de consumida a réstia de esperança que alimenta a resignação mansa, revolta-se. Sai à rua para reclamar o futuro prometido de bem-estar e amanhãs que cantam, entretanto hipotecado em obscuras parcerias entre Estado e capital por uma geração de governantes a quem a passagem pelas universidades pareceu não transmitir qualquer ensinamento de história ou ética. Reclama a solidariedade social, os direitos individuais e coletivos e até a dignidade que pareciam assegurados na sociedade ocidental, científica, económica, política e socialmente avançada. Reclama uma democracia saudável e um mercado que se regule pelas necessidades reais dos cidadãos. Reclama que lhe seja devolvido o futuro porque neste presente, seja à direita seja à esquerda, parece já não restar a capacidade para o inventar.
(texto publicado a 4 de outubro de 2012)