Tenho perdido muitas coisas, nos últimos tempos: afetivas, dolorosas, das que abrem brechas num coração (bem) habituado a ter por resilientes certos valores e amores. E a perda faz-nos fechar – além do coração… – os olhos, a grande parte do que se passa à nossa volta e continua a fazer parte do mundo como ele é, ou… passou a ser para nós.
Perdi, como sabem desde a última conversa, o festival de S. Pedro de Moel, que me disseram ter tido momentos bons e menos bons, cavalos (quase) alados no Bambi e versos de Afonso Lopes Vieira no meio da famosa volta aos 5, mas achei um festival medieval em Castro Marim que me mostrou um Algarve praticamente desconhecido e ufano das suas tradições, engalanado por muralhas e os restos de um castelo que receberam os convivas em banquetes de mão e os cavalos em apoteose no recinto dos cantantes e da guilhotina: morte e vida, escatologia da mais primária, com os encantos do artesanato de culturas várias. O público era mais que muito, mas as crianças e a sua alegria, os animais que circulavam e estavam circundados pelas traves dos currais, faziam-nos sentir a todos na terra tal qual ela sempre foi. E vi o mundo todo num só fim de semana: o que perdi e o que achei, porque tenho a sorte (tenho treinado…) de não deixar que os olhos fechem quando resistimos ao sol que quer entrar. Vizinhos espanhóis eram mais de 3000 e o afluxo do estranho torna o nosso mais global. Os coros (sefarditas, árabes e cristãos) deram vida ao silêncio da igreja e tudo soava verdadeiro no meio de tanta coreografia medieval. Teatro de fantoches e venda de bolinhos; sandochas e sangria; wc em caixas públicas e bordadas mantas familiares e fabulosas a cobrir a igreja.
Quando cheguei a casa achei vários ramos de citronela e de sardinheira vermelha (acompanhadas de um singelo bilhetinho de papel); os livros de versos de um primo meio-nórdico que não via há muito; os beijos de uma prima que nunca foi beijoqueira; o nascimento de uma nova menina na família: que coisa melhor do que sentir os rebentos do novo (sempre a partir do velho, note-se…) para não chorar sobre o que se perdeu?! Sobretudo quando a citronela – plantada fora de época – parece estar bem viva e já cheirosa…
(texto publicado na edição de 25 de setembro de 2014)