Durante um ano, trouxe aqui, mensalmente, umas tantas histórias ficcionais reportadas a um cenário urbano identificado. Todas elas se propunham lidar com imagens de cidades, na perspetiva de dois protagonistas, um homem e uma mulher, um dos quais preenchendo o lugar do narrador. A rubrica recebeu o título geral de “cidade imaginária”, querendo por esse modo sublinhar que o filtro que nos permite conhecer o passado e descobrir a atualidade de uma cidade é o do imaginário com que nos envolve e nós a envolvemos.
Siegfried Lenz, no seu célebre romance Heritage, refere-se à terra natal, não como o lugar onde estão enterrados os nossos antepassados, mas como o lugar onde lançamos as nossas raízes. Elas podem ser produto da imaginação. “Para te ajudar a compreender isto tudo” – diz Ziegmunt Rogalla, retido na cama do hospital, em consequência das queimaduras recebidas durante o fogo do Museu histórico masuriano, ao jovem que o escuta – “pede à Henrike que te fale da nossa pátria. A terra natal pode ser um sítio onde nunca tenhas ido, nota bem. No caso dela, criou muitas imagens a partir da imaginação e de informações que recolheu. Talvez tenha uma visão mais pura do que nós, os velhos que lá vivemos”.
Sem cidade imaginária, o passado seria um amontoado de acidentes e o presente um emaranhado fragmentário de perceções. A cidade fria e triste, desconfiada e agreste, segmentada e incomunicante, hostil e invivível é pelo imaginário que se humaniza, que se densifica, se torna legível e amável.
Cabe à criação literária e artística, à história e à cultura, elaborarem e reelaborarem os elementos de que se alimenta o imaginário das cidades.
A cidade imaginária é a cidade que pensa sobre si própria, sabendo que o que foi não é o que será, embora faça parte do que pode vir a ser; que não se limita a responder a situações, mas as antecipa.
A cidade imaginária não receia interrogar- se a si e aos outros, estabelecer laços, confrontar-se com a diversidade. A cidade imaginária é uma cidade aberta, porque não ficou prisioneira de si mesma, não se deixou manietar pela tradição, nem alienar pelo folclore.
A cidade imaginária repudia a indiferença e a resignação, não se importa de correr riscos, de perturbar, de acrescentar, de ousar.
A cidade imaginária é a cidade de todos, e não a cidade dos poderes, sejam eles técnicos ou políticos. É a cidade onde os cidadãos, reconhecendo os problemas, participam nas soluções.
A cidade imaginária é aquela em que “os vivos pedem para depois de mortos um destino diferente do que lhes calhou” (Italo Calvino).
N.B.
Agradeço à Direção do “Região de Leiria”, o generoso convite e a benevolência com que me acolheu nas suas páginas, e aos leitores a sua conivência tácita com o exercício que me propus.
(texto publicado na edição de 11 de dezembro de 2014)
Filomena Monteiro disse:
Estimado Autor,
E não haverá mais contos?
Gosto tanto de ler os seus contos!!!
Vá lá, querido J.B.S…. É Natal!
Enquanto espero, vou reler novamente, um a um, todos eles. Sim, sim, guardei-os todos, fiz com eles uma pequena brochura e vou oferecê-la esta noite aos meus filhos e aos amigos mais sensíveis…
Até breve,
F.M.