Pouca gente o saberá, mas o próprio Salazar teve consciência que, afinal, Portugal não tinha aptidão para ser um país essencialmente agrícola.
Estuda-se nos manuais: apesar de toda a propaganda do Estado Novo – que apresentava Portugal como um país airoso, genuinamente rural e são, produtivo e feliz, – o próprio regime constatava em finais dos anos 50 que a produtividade agrícola não chegava a 1/3 do resto da Europa (incluindo a Turquia) e que, na realidade, éramos pobres e sobrepovoados. Os problemas foram identificados e eram estruturais: minifúndios no Norte, sobre-explorados por agricultores pobres e onde era impossível a mecanização, latifúndios no Sul, subaproveitados por proprietários folgados. Além do mais, 1/3 de toda a área cultivada do país era-o em regime de arrendamento precário.
O II Plano de Fomento de 1959 veio cheio de boas intenções: apoio aos emparcelamentos, tomando como referência a exploração agrícola média e subsídios à mecanização. Procurava-se maior produtividade, melhor qualidade de vida para os pequenos e médios agricultores e, por via disso, incremento do mercado interno.
Mas este Plano, que poderia ter mudado a face do panorama agrícola português nas décadas seguintes, claudicou. De uma forma exemplar: os grandes proprietários do Sul, influentes nos meios políticos de Lisboa, temendo a concorrência dos “novos proprietários” -que por via deste projeto pudessem produzir mais e melhor -, tudo fizeram para esvaziar este Plano e revertê-lo a seu favor. Centenas de milhares de escudos que deviam ser canalizados para os pequenos e médios agricultores foram, em grande parte, parar aos bolsos dos latifundiários do Sul.
E a década de 60 foi o que se viu: em 1960 emigraram cerca de 38 000 portugueses; em 1965 chegaram aos 70 mil e, em 1970, mais de 180 mil!
Não conheço país com tão grande diáspora. Numa década – é só fazer as contas – mais de 1 milhão de portugueses (legais ou clandestinos) deixaram o seu país. Não porque éramos afoitos, aventureiros, corajosos, abertos ao Mundo. Apenas porque éramos pobres e, nalguns casos, miseráveis.
Esta semana chegaram-nos números: em 2012 já cem mil portugueses emigraram. Para o ano prevê-se um número superior.
Desses anos 60 os portugueses pediram, ainda que postumamente, contas a Salazar.
Nesta democracia, caros leitores, com quem temos de acertar contas?
(texto publicado a 26 de outubro de 2012)