Tudo indica que a aplicação móvel (App) a adotar pelo governo Português para o rastreamento do COVID-19 será a desenvolvida pelo INESC TEC, STAYAWAY. Instalando a App de forma voluntária e ativando o bluetooth, a App troca pequenas mensagens com os outros telemóveis que tenham também a App instalada. Se alguém ficar infetado pode, de forma voluntária e com a intervenção de um profissional de saúde, libertar um alerta para todos os telemóveis com quem esteve em contato.
Quem recebe a mensagem, deve isolar-se e ir fazer o teste. Deste modo controla-se a corrente de transmissão. Nunca, em momento algum, quem recebe a mensagem sabe qual o telemóvel de origem e não há uma base de dados centralizada com esta informação, ou seja, ninguém saberá a identidade de quem está infetado, exceto o próprio e o profissional de saúde.
Esta abordagem é radicalmente diferente das utilizadas nas Apps que são compulsivas e obrigatórias e que controlam totalmente os movimentos dos cidadãos com GPS, imagem e som como, por exemplo, as da China e da Coreia do Sul.
Apesar disso, estaremos no bom caminho? Sim, quando pensamos na utilização da ciência e da tecnologia ao serviço da saúde e do bem comum em harmonia com os direitos de liberdade e de privacidade. Há perigos? A esta questão a resposta é igualmente sim.
Na verdade, é necessário garantir que o código da App seja auditado e gerido por entidades diversas e independentes para que a aplicação que cada um decida instalar seja aquela que nos indicam e não outra que, sem controlo, nos rastreie os movimentos.
Outro aspeto crítico é que o controlo da App esteja nas mãos das entidades de saúde pública e não nos privados nem nas entidades de segurança. Por fim, a ligação com as equipas da Google e da Apple a este projeto e a ideia de criar uma App internacional, tem de ser muito bem explicada e auditada.
Corremos o risco de transformar uma boa ideia numa ideia perigosa. Já hoje, através do GPS, de contas de email gratuitas, da utilização de App bancárias, de aplicações gratuitas para gerir as nossas fotografias e das redes sociais, produzimos uma gigantesca quantidade de dados acerca de nós.
Esses dados estão maioritariamente nas mãos de privados, muitas vezes noutros países, que não estão sujeitos a escrutínio nenhum e cujos interesses são os dos acionistas dessas empresas e não o bem público.
Com esses dados e com a utilização de sofisticadas técnicas de marketing e de inteligência artificial é possível condicionar as nossas escolhas, como o que compramos, com quem nos relacionamos e em quem votamos. Foi o caso da Cambridge Analytica ligada à eleição de Trump e ao Brexit, com a utilização de 50 milhões de perfis do Facebook.
Tendo em consideração as mudanças que podem ocorrer num intervalo de tempo curto, e.g., de Obama para Trump, as decisões da utilização da tecnologia que podem ter impacto na liberdade e democracia têm de ser analisadas independentemente do momento e das circunstâncias em que ocorrem.
O medo, neste caso do COVID-19 ou outros como o do terrorismo, pode ser utilizado para condicionar a aceitação de soluções totalitárias.
Foi assim que, à boleia do COVID, alguns países, fizeram aprovar no parlamento poderes quase ilimitados com fortes limitações à comunicação social e à informação. É preciso estar atento, porque “o trabalho liberta” neste, nem sempre, “admirável mundo novo”.
(Artigo publicado na edição de 23 de julho de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)