No início a ideologia capitalista não atacava o Estado.
O capitalismo precisava do Estado para construir as infraestruturas que iriam permitir desenvolver-se. Precisava, entre outros, de portos, aeroportos, estradas, autoestradas, caminhos de ferro, telefones e energia elétrica.
Só os Estados tinham capacidade para tais realizações.
Para que o capitalismo prosperasse foi necessário que as pessoas deixassem os campos onde quase todos trabalhavam. Os camponeses tornaram-se operários.
A economia agrária não subsiste sem planeamento e poupança. Quando o lavrador vende o vinho ou o azeite sabe que, ainda que tudo corra bem, só daí a um ano voltará a poder vender vinho e azeite.
Tem de gerir e poupar recursos para as eventualidades das más colheitas, da doença e da morte de algum membro importante da família.
O operário e o empregado não têm a mesma necessidade de planeamento e poupança, porque no final de cada mês receberão o salário.
Porém, não estão ao abrigo de doenças e da morte.
Por isso e com muita luta, após a Segunda Guerra Mundial, criou-se o “estado-providência” e acautelaram-se as aleatoriedades da vida.
Criaram-se, na maioria dos países desenvolvidos, serviços de saúde e de instrução públicos, universais e quase gratuitos.
A eventualidade da doença e do desemprego estão a coberto da Segurança Social que, no final da vida, paga ainda pensões de reforma e de sobrevivência.
Deixou de haver necessidade de cada qual se preocupar com o seu futuro a curto e a longo prazo.
A ideologia de consumo levou a que cada um gaste a totalidade dos recursos presentes e até dos futuros, promovendo empréstimos para isso.
A poupança deixou de ser remunerada e passou a ser um encargo pois, hoje, é necessário pagar para ter o dinheiro no banco.
A ideologia neoliberal e do consumo colocou no poder políticos que preconizaram e executaram políticas de desmantelamento do estado.
As infraestruturas foram privatizadas.
Desinvestiu-se na saúde e na instrução públicas.
Segundo o Expresso do dia 5 de abril de 2019, os hospitais públicos perderam 3.000 camas numa década e os privados ganharam 1.700 e o panorama é igual nos outros países.
Esta pandemia veio mostrar o paradoxo intransponível desta ideologia. Preconiza o fim, ou, pelo menos, o brutal enfraquecimento do estado, quando não pode subsistir sem ele.
Para que as pessoas produzam e consumam, precisam de ter saúde. Sendo uma evidência, parece que ninguém tinha reparado nisso e a pandemia mostra-o de forma brutal.
Uma das conclusões é a de que, enquanto cidadãos, não podemos permitir que os governos continuem a desinvestir na saúde.
Outra conclusão inevitável é a de que ou as pessoas e as empresas passam a ter aforro que lhes permita fazer face a momentos de inatividade e de falta de rendimentos ou terá que ser o Estado a vir em seu socorro. Para que isso aconteça é necessário dotar o Estado de mais recursos e exigir-lhe maior prudência na sua utilização.
Em conclusão. para que as pessoas e as empresas continuem a gastar até ao último cêntimo e até para além dele, é indispensável que o Estado seja forte e capitalizado.
Ao contrário daquilo que os seus principais ideólogos propalam a sociedade de consumo não pode prescindir do Estado.
(Artigo publicado na edição de 30 de abril de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)