Há vários meses que estávamos inscritos naquele que seria um grande desafio na nossa mais recente paixão, o trail running. Íamos participar no Trail da Serra d’Arga que tinha três provas: 53 km, 33 km e 20 km. Como ainda somos caloiros nos trails, a loucura tem limites e os nossos três filhos precisam do pai e da mãe inteiros, fomos aos 20 km que estavam classificados de “muito difícil”.
Altamente motivados e confiantes lá fomos para a cidade de Caminha com o KIT de sobrevivência obrigatório, que assusta só pelo nome. Parecíamos dois garotos em pulgas pelos desafios que íamos encontrar.
Os primeiros 8 km da prova foram junto às margens do rio Coura e foi indescritível a beleza deste percurso. No meio do verde intenso da serra, corre um fio de água cristalino, calmo e sereno que contrasta com as cascatas e os rápidos que se formam no meio das pedras que tivemos de atravessar. Cruzamos várias vezes o rio, subimos quilómetros até ao topo da serra por autênticas paredes de pedra e descemos na esperança de cortar a meta e ter aquela sensação fantástica de ter vencido mais um desafio.
Cortámos a meta os dois, como sempre o fazemos, e ligámos para casa, pois as nossas filhas estavam ansiosas para saber o que aconteceu.
Quando há cerca de um ano uma grande amiga me disse “Domingo vamos fazer um trail de 10 km na Curvachia, prepara-te”, mal imaginava que a esta altura já tinha perdido a conta aos quilómetros percorridos, de noite ou de dia, no meio de serras, com uma mochila às costas, em trilhos apertados, acidentados, a subir e descer encostas com ou sem cordas, a atravessar rios, com uma luz colada na cabeça, a ficar toda suja e arranhada, diria que estavam doidos.
A verdade é que quando começamos não conseguimos parar e torna-se num vício libertador e desafiante. Passamos a querer fazer sempre mais quilómetros e mais difíceis. Cada trilho é uma nova aventura que nos tira da zona de conforto e nos leva a descobrir um país de uma beleza de cortar a respiração. Passamos a respeitar ainda mais o que é nosso e a não ter medo de nada. O espírito que se vive nestas corridas é incrível e fazem-se amigos para a vida e não interessa o que cada um faz, somos todos atletas que se tratam por “tu” e que se apoiam.
A verdade é que aprendemos que somos capazes de ultrapassar todos os limites e que estes só existem na nossa cabeça.
(texto publicado na edição de 2 de outubro de 2014)