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José Manuel Silva

Professor/gestor do ensino superior

Passageiro do tempo: Gagos de espírito

A deputada Joacine tem todo o direito de ser escutada custe o que custar, constranja o que constranger, e os restantes deputados devem escutá-la com o respeito devido a qualquer deputado(a).

jmsilva2350@gmail.com

Dediquei a última crónica à deputada Joacine e tinha a certeza de que a sua gaguez ia dar polémica, mas não pensei que alguns dos pensadores de serviço, que têm assento cativo nalguns dos jornais mais prestigiados, iniciassem uma bizarra cruzada contra a senhora por considerarem a sua gaguez impeditiva do exercício de funções parlamentares.

Falar fluentemente é, de facto, um dos atributos mais eficazes dos políticos, mas ninguém pode impedir que quem tem dificuldades em se expressar, sobretudo por razões funcionais, se assuma na sua plenitude de cidadão e exerça todos os direitos que a constituição, as leis e os costumes lhe concedem.

O argumento de que um discurso de um gago constrange os auditores e dificulta a compreensão das suas mensagens é equivalente a defender que uma pessoa que se desloca em cadeira de rodas e necessita de alguém que a auxilie nas suas atividades de vida diária não tem direito a um posto de trabalho, a uma relação amorosa, até à concretização de um ato sexual com uma(a) parceiro(a) em que necessite do auxílio de terceiros para o concretizar (*).

Não se trata de política, trata-se de direitos, a deputada Joacine tem todo o direito de ser escutada custe o que custar, constranja o que constranger, e os restantes deputados devem escutá-la com o respeito devido a qualquer deputado(a) acrescido do respeito devido a quem tem uma limitação qualquer. E todos nós idem.

Se um gago quer ser locutor, é com ele e com quem o pode ou não contratar, se quer enveredar pela política fica apenas dependente do voto e se chega ao Parlamento é-lhe devido o respeito inerente à função e a garantia das condições necessárias ao exercício pleno da sua função. Tudo o que não seja assim é discriminação inaceitável. Não se pode defender uma sociedade inclusiva e ao mesmo tempo excluir arbitrariamente os que não se encaixam de forma perfeita na norma padrão.

*Conheço uma instituição onde promovem este tipo de relação entre casais com limitações e onde intervêm até três cuidadores(as) para ajudarem o casal a posicionar-se e a concretizar a relação

(Artigo publicado na edição de 7 de novembro de 2019 do REGIÃO DE LEIRIA)