Um cidadão sem-abrigo é o que não tem um teto, vive na rua, nas margens da sociedade, eventualmente pode dever ao fisco, estar a contas com a justiça, infringir a lei todos os dias, ser um perigo para a saúde pública, viver como um fantasma, sobreviver como um cão vadio, mas nem por isso perde os seus direitos sociais, a sua condição de cidadão, pode votar e ser eleito.
Houve tempo em que não havia pessoas sem-abrigo em Portugal, era proibido, o Estado não tolerava manifestações públicas de indigência, caçavam-se os desvalidos por vadiagem e internavam-se nos asilos, viviam em regime quase militar, até tinham farda, quando saíam não podiam pedir, também era proibido, a transgressão permitida era cravar um cigarrinho, em alternativa, apanhavam as beatas do chão, seria talvez o único prazer que não lhes estava vedado, dar umas fumaças.
A democracia trouxe a liberdade e com ela acabou a proibição de ser pobre e indigente, viver na rua tornou-se um direito, mesmo que este colida com outros que a generalidade da população considera importantes, algumas franjas da sociedade mobilizaram-se para lhes acudir, de uma forma geral dá-se-lhes o peixe, mas não se ensinam a pescar, criou-se toda uma atividade económica à sua volta, há muitos voluntários envolvidos, mas também muitos profissionais, muito dinheiro público gasto, mas resultados muito parcos.
Nada fazer não é solução, mas no quadro democrático não sobram muitas, agora começa a apostar-se no “housing first”, se não têm casa começa-se por aí, disponibiliza-se um espaço, um quarto ou um apartamento, uma equipa acompanha-os durante um período definido e o objetivo é a reinclusão social e profissional. É um investimento de risco, claro, mas é a alternativa possível para compatibilizar a liberdade individual com os direitos sociais que estes cidadãos não perderam.
(Artigo publicado na edição de 4 de junho de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)