O cérebro é um órgão muito organizado: os movimentos são processados numa região, a visão noutra, a audição ainda noutra e por aí afora. Tudo no cérebro tem o seu local. Tudo, à exceção da dor. A dor afeta todo o cérebro como um irritante sino de igreja que não deixa ninguém dormir. Enquanto houver dor, se suficientemente forte, o cérebro fica paralisado e não faz mais nada.
Portugal também está paralisado pela dor. A dor que veio sob a forma de crise e que ameaça tornar-se crónica e incapacitante graças à receita da austeridade. As pessoas estão a ficar sem dinheiro. Sem dinheiro não há consumo, fecham lojas, fecham restaurantes, fecham fábricas. O Estado recebe menos impostos e tem de gastar mais com ajudas sociais. E qual é a resposta que tem sido dada? Mais impostos, o que aumenta a dor e agrava a paralisia.
Também eu me sinto paralisado por esta dor que me atrofia o pensamento e me aumenta o sentimento de culpa. Sinto-me culpado se penso em ir a um concerto, sinto-me culpado por estar a gastar tempo na organização de um evento de divulgação científica. Não faria mais sentido envolver-me mais no combate à dor e aos seus agentes?
Escrevo a 5 de outubro de 2012, o dia em que, como que em luto pelo estado paralisado do país, as comemorações do dia da República foram vedadas aos portugueses. Faria sentido escrever sobre outra coisa?
(texto publicado a 12 de outubro de 2012)